TEMPO, O SENHOR DO VENTO

TEMPO, O SENHOR DO VENTO

(Dux Pellegrino/Gerson Zequim, 2021)

Kroomt vivia uma vida simples com sua família recém-chegada da zona rural, a mais humilde daquele bairro. Não possuíam aparelho de TV e recebiam doações de roupas e calçados descartados pelos garotos de duas famílias nipônicas. Os orientais eram proprietários de empresas mantidas por grandes fazendas griladas no passado. Em contrapartida existia uma família de comerciante de tecido, não tão abastada como os vizinhos, mas com o espírito muito mais soberbo de riqueza. A ideia era aproveitar a origem oriental para usufruir dos recursos dos patrícios e participar do status social. As doações eram feitas com o efeito de chantagem econômica, os vizinhos eram acionados para a realização dos trabalhos mais sujos, pesados e indignos, enquanto os garotos orientais apenas fiscalizavam. Eles demonstravam uma relação amigável no tempo normal, mas na presença de terceiros se faziam autoritários e arrogantes, tratando com desprezo os fiéis ajudantes. Certa vez a vizinha convidou muitos amigos sofisticados para o aniversário do filho caçula, todos eram servidos com sucos, salgados e bolo, porém os matutinhos recebiam alguma guloseima pela porta da cozinha. No dia seguinte os matutinhos pescaram uma grande lambada de lambaris e carás no rio arareau e a matriarca preparou a milanesa de tal forma que o aroma se espalhou por ali, o japonês menor ficava sentado na beira da cerca de balaústres pedindo sempre mais um peixinho frito. Aquele que outrora desprezou e negou a existência deles na festa de aniversário, agora se porta como um animal de estimação implorando por um simples peixe. O japonês mimado lambia os dedos com os olhos fechados diante da culinária cabocla. Certa vez a japonesa chamou os quatro vizinhos para lhes informar que todos estavam com a cabeça cheia de piolho, os garotos ficaram surpresos com a suposição dela:

- Se meu filho tem piolhos, porque pegou de vocês.

Os vizinhos se retiraram em silêncio para não ofender a senhora que doava roupas e calçados descartados por seu filho. O filho caçula era prevalecido sobre os menores e mais fracos, ele mandava calar a boca e ameaçava quebrar a boca do insistente no assunto que lhe desagradava. Certa vez Kroomt estava ajudando o japonês a fazer um experimento para aula de ciências juntamente com outros três amigos dele, sempre prestativo e obediente o matutinho ganhou a simpatia dos garotos que eram filhos de militares do exército e não compactuavam com aquele senhorio exagerado:

- Você não precisa obedecer cegamente. Disse Macaiba.

- A gente faz por gratidão. Respondeu Kroomt.

- Isso não é gratidão, é escravidão. Completou o irmão.

O tempo não perdoou o nipônico que mesmo praticando judô desde criança ele parou de crescer em relação aos matutinhos. Ele já não ameaçava mais ninguém da turma, seus olhos ficavam vermelhos quando sofria uma derrota qualquer, se mostrava vingativo e trapaceiro em qualquer situação. Quando começou a trabalhar aos vinte anos de idade, ele passou a mentir sobre as conquistas amorosas que os amigos conheciam muito bem. Em 1982 Kroomt já praticava o futebol, natação, handebol e voleibol, integrou a equipe da escola nas olimpíadas municipais, quando o professor japonês o chamou no banco de reservas no momento que o time estava perdendo, agarrou o seu braço e disse:

- Você é o melhor jogador que eu tenho, vai lá sacar para gente virar esse jogo.

O jovem ficou confuso ao ouvir um elogio do professor racista que desprezava os mais humildes e que agora vinha pedir ajuda, durante o jogo o garoto correu olhando para o alto na tentativa de recupera uma bola e se chocou contra a grade de proteção vindo a lesionar o punho direito.

O vizinho chamava os matutinhos para capinar, carregar caixas e fazer todo tipo de serviço pesado grátis, porém muitas vezes os amigos estavam assistindo a única TV da rua (na casa dele) depois do trabalho e repentinamente sua mãe apertava o botão de desligar na cara dura. Certa vez a japonesa convidou a mãe de Kroomt para participar de uma novena, a noite as duas caminharam até a paróquia como combinado, porém na porta da igreja a vizinha disse:

- Você senta aqui atrás porque seu vestido está feio.

- Eu vou me sentar perto das madames. Completou.

Sem reclamar a humilde vizinha esperou terminar a reza e observou a japonesa saindo pela porta lateral da igreja em companhia das amigas nobres e nunca mais elas andaram juntas novamente, pois a mãe de Kroomt não dava segunda chance para ninguém. O tempo passou depressa cobrando de cada um a sua fatura, a filha da japonesa faleceu ao contrair hepatite do marido, o filho mais velho, um promissor engenheiro, nem concluiu o curso e se tornou agiota e tesoureiro de um político corrupto e o filho mais novo, mais mimado se casou com três mulheres e se divorciou quatro vezes por ter se casado novamente com a primeira esposa. Passou um tempo no Japão e quando chegou permaneceu uma semana passeando de terno no bairro onde cresceu, sob um calor de quarenta graus, pois o seu pai exigia que os garotos tratassem seu filho pelo título de doutor. A matriarca da família faleceu de câncer devido ao desgosto pela morte da filha e depois disso o velho passou a peregrinar pela cidade carente e solitário. Ele ficou como uma criança sob os cuidados de uma empregada doméstica até o dia de sua morte. Tempos depois o filho mimado teve as portas de emprego fechadas para sempre devido a acusação de desvio de fertilizantes de fazendas no norte do estado, o tempo não perdoa aquele que o mal planta, o arrogante vive como um renegado e os humilhados foram exaltados nos estudos, na profissão e na vida.