DRONE

Finalmente chegou.

O motoqueiro entregou a caixa envolta em fita adesiva onde se lia – não receber caso a fita esteja violada.

Era a materialização do desejo de possuir aquela maravilha dos tempos modernos. Agora, mesmo sem tirar os pés do chão, eu poderia ver de lá de cima as paisagens que sempre desejei, mas não aprendi a voar, e mesmo que soubesse, o sobrepeso não permitiria tal façanha.

O drone equipado com câmera de alta resolução, mandaria para a tela do tablet tudo aquilo que estivesse ao alcance da sua objetiva.

Leve como uma pluma e de fácil manejo através da caixa de comando para ser usada à tira colo, equipada com antena telescópica e duas alavancas de cabeçotes giratórios para as ações de subir, descer, direita, esquerda, adiante, ré, close, grande angular, filmar, fotografar... uma maravilha cujas baterias que lhe davam autonomia de voo por quatro horas num raio de mil metros com até cem de altura.

Li e reli as recomendações inúmeras vezes.

Depois de montado, por dentro de casa, funcionou melhor que as minhas expectativas.

Acordei diversas vezes para ver se o dia já havia clareado.

Minha ansiedade era tal que nem tomei café e fui o primeiro a chegar no estacionamento do parque da Jaqueira, porque eu precisava ver o meu drone funcionando em campo aberto.

Todo mundo pode considerar infantilidade de minha parte, mas a diferença entre o adulto e a criança, em nós homens, é apenas no valor do brinquedo.

Como são lindas as árvores vistas de cima, os ninhos com filhotes alvoroçados pelo som das hélices deslocando o ar, a atividade dos insetos polinizadores, a capelinha, o prédio do antigo hospital dos doidos...

Por minha vontade, eu não teria saído dali mas tem o trabalho.

Mas no final de semana, vai ter drone o dia todo pois, já tenho as pilhas que me garantirão várias recargas.

No escritório não falei noutra coisa e um dos colegas me falou que como estamos em temporada de reprodução das tainhas, eu poderia ver os cardumes na beira mar ou subindo o rio.

No sábado cheguei cedinho ao parque e a manhã já ia alta quando subi no que restou do cano do Pina.

Brisa suave, mar sereno, muitos banhistas e, de fato, vários cardumes de pequenos peixes sendo perseguidos por outros maiores.

De repente, um vulto escuro chamou a minha atenção. Baixei o drone e identifiquei tratar-se de tubarão perseguindo os peixes grandes que estavam caçando os menores.

Mas não era um tubarão comum, desses que estamos acostumados a ver.

O peixe era grande demais, muito maior que um tubarão baleia e estava nadando em círculos que é indicativo de que o animal está avaliando as distâncias e que atacará a qualquer momento.

Acionei o programa de medições e levei um susto ao constatar que o peixe media entre 14 a 15 metros.

Fiz vários filmes do peixe cujo dorso com a barbatana larga e parte da cauda estavam mais de metro acima da linha d’água facilitando a visualização do ventre branco.

Era preciso avisar às autoridades e, principalmente, aos cientistas que um Megalodonte tinha vindo diretamente do Mioceno para a telinha do meu tablet.

Qualquer um que tenha feito curso de mergulho, conhece o sinal da mão espalmada sobre a cabeça, indicativa da presença de tubarões na área e a necessidade de sair da água para evitar o ataque de consequências terríveis.

Fiz voos rasantes com meu drone por sobre as cabeças dos banhistas e quando um deles olhou para mim, fiz várias vezes o sinal, mas ele interpretou como um simples aceno.

Mas era preciso alertar os banhistas do perigo iminente, então procurei o guarda vidas que, usando o megafone, mandou que as pessoas saíssem do mar.

Acompanhei os movimentos do magnífico animal, por todo o tempo em que ele esteve ao alcance do meu drone que, já no primeiro dia de uso, devolveu com sobra o valor gasto para adquiri-lo.

CITAÇÃO

Cano do Pina – antigo emissário marítimo para descarte de esgoto sanitário

Capelinha – igreja em estilo barroco, do Sec. XVIII, (tombada pelo IPHAN). Dedicada a Nª. Sª. da Conceição, sendo construção anexa ao solar do comerciante Bento José da Costa.

Hospital de doidos – Hospital Ulisses Pernambucano, Av. Rosa e Silva, Tamarineira, Recife/PE

Megalodonte – (Carcharocles megalodon) tubarão gigantesco que viveu no período Mioceno, entre 23 a 5 milhões de anos atrás. Espécie considerada extinta, mas há narrativas de avistamentos em torno da Barreira de Corais/Austrália, de animais com a mesmas características. Ora, se o Celacanto, que também era considerado extinto desde o Cretáceo Superior (100,5 a 66 milhões de anos antes do presente) continua vivo, não é impossível que o Megalodonte também esteja.

Parque da Jaqueira – Bairro da Tamarineira no Recife/PE

Pina - uma das duas praias da cidade do Recife/PE. A outra é Boa Viagem

Tainha - Mugil brasiliensis

Tubarão Baleia - Rhincodon typus