GRAN CIRCUS MAXIMUS
ALBERTO VASCONCELOS
Aquele terreno baldio que aos poucos foi se tornando num inconveniente depósito de lixo, amanheceu limpo e terraplenado. Ninguém sabia dizer se iria surgir um novo prédio ou novo estacionamento mais do que necessário devido ao aumento significativo de veículos particulares. Os dois dias de especulações se resumiram no fato do espalhafatoso desfile do Gran Circus Maximus, que como o nome sugeria, traria grandes surpresas para os afortunados que pudessem pagar o estratosférico valor da entrada. Grandes carros alegóricos com músicos, bailarinas, palhaços, mágico, trapezistas, contorcionistas e tantas outras atrações fazendo pequenas demonstrações do que prometia ser o grande espetáculo na função inaugural marcada para a noite do dia seguinte.
Com as placas de “criatório autorizado pela lei tal” também desfilaram em jaulas separadas e puxadas por pequeno trator, um belíssimo leão de juba negra, placidamente deitado sobre o cenário artificial da decoração, assim como o tigre de bengala, majestoso, de pé, observando os espectadores extasiados nas calçadas das ruas por onde o desfile estava acontecendo.
Os ingressos do dia da inauguração foram rapidamente esgotados. O circo prometia, e cumpriu, três horas ininterruptas de espetáculo grandioso que justificava o valor dos ingressos que variavam de preço tanto pela localização na plateia como pelos dias da semana.
Em meio ao espetáculo, havia o desfile de apresentação dos felinos, gordos e de pelagem luzidia, contidos em jaulas ricamente decoradas em carruagens puxadas por pôneis e o mestre de cerimônia explicava aos presentes que aqueles animais, nascidos em cativeiro não reuniam condições para a vida livre, mas que além da assistência veterinária constante, eram alimentados diariamente com quarenta quilos de carne de primeira qualidade e que eles não faziam parte do espetáculo em manobras com domadores por causa das proibições legais, mas que o “respeitável público” merecia ver de perto aqueles maravilhosos animais e saber algumas das particularidades das suas espécies.
Entretanto, com o passar dos dias, aqueles abnegados benfeitores que diariamente distribuíam alimentos para os moradores de rua, sem que houvesse uma explicação razoável, sentiram a falta de alguns já bem conhecidos...
CLÉA MAGNANI
Zé do Trocado era um dos mendigos mais conhecidos do bairro.
Ele e sua companheira viviam miseravelmente, sob a ponte da estrada de ferro, até que uma tempestade violenta certa tarde, rompeu as margens do riacho e arrastou todos os seus pertences e sua companheira, que ali dormia.
Zé, que havia saído antes da chuva em busca de alguma comida para aquele dia que ameaçava tempestade, havia ficado sob um abrigo de ônibus ao começar a chuva, e ao voltar ao seu rancho, nada mais encontrou…
Daquele dia em diante, o pobre homem, abandonou-se de vez… começou a beber, e passava os dias à beira do riacho que havia levado sua companheira, com o olhar perdido nas águas turvas…
Mas já faziam dois dias que ele não era visto.
Quem reparou foi o dono do bar onde ele costumava ficar à espera de alguém que lhe desse "um trocado" para tomar uma pinga, que o ajudaria a enganar a fome, e a saudade de sua companheira, daí o seu apelido.
Mais dois dias se passaram, e Zé do Trocado não dava sinal de vida.
Uns meninos jogavam bola na rua próxima à ponte da estrada de ferro, quando um chute mais forte levou a bola para a beira do riacho.
Com receio de que a bola caísse n’água, um dos meninos correu pelo mato para cercá-la antes que ela se perdesse. Ao chegar no local onde Zé do Trocado vivia, o garoto viu sobre a esteira onde o mendigo costumava dormir, uma camisa que ele usava, toda manchada de sangue, já seco.
Pegou a camisa e a levou ao bar onde Zé do Trocado costumava beber.
Alcebiades, o Bide do Bar, como era conhecido, reconheceu a camisa que ele mesmo havia dado ao Zé do Trocado semanas atrás, pois desde que a chuva carregara todas as suas coisas, o mendigo vivia de doações. Bide achou muito estranho aquele sangue todo na camisa, e o desaparecimento de Zé do Trocado.
O que teria acontecido?
O Zé não tinha inimigos. Não brigava com ninguém. Tomava suas pingas e ia dormir debaixo da ponte, não incomodava ninguém.
Parecia não existir… a não ser, há duas semanas atrás, quando ele chegou muito nervoso ao bar. Nem entrou. Sentou-se na calçada e parecia falar sozinho. Gesticulava, resmungava, se levantava, andava de um lado para outro, voltava a sentar-se na porta do bar, olhava de um lado para outro, passava a mão na cabeça sobre os cabelos compridos e ensebados por falta de banho. Estava realmente muito inquieto e irritado.
Dias depois, Berenice ao passar por ele ali na calçada, (os dois) iniciaram uma discussão.
Ele a chamava de Mentirosa! Exploradora de menores! Safada! Criminosa!
Ela revidava ameaçando mandar prendê-lo por calúnia, e outras acusações, como vadiagem, e o mandava calar a boca!
Quem assistiu a discussão, não entendeu a razão da revolta de Zé do Trocado.
O que teria acontecido para desencadear tamanha revolta?
Berenice havia aparecido naquela região algum tempo antes da chegada do Gran Circus Maximus. Alugou um quarto e cozinha no arrabalde da cidade. Ninguém sabia nada sobre ela. Saía todos os dias cedo, e voltava à noitinha; não conversava com ninguém, nem se sabia do que ela vivia; até que numa de suas andanças, Zé do Trocado a viu com três crianças aparentando 3, 5, e 7 anos. Ele estranhou, pois ela vivia só, e resolveu segui-la. Foi quando a viu bater palmas numa casinha humilde na periferia do bairro.
Uma mulher, malvestida, com um bebê no colo, e outra criança de pouco mais de 1 ano agarrada à sua saia, atendeu, mandou as 3 crianças pra dentro, Berenice lhe passou um pequeno punhado de notas, e lhe disse que na manhã seguinte viria buscar as crianças novamente. E que era para ter dado comida para elas, pois ela não aguentava mais comprar salgadinhos para aqueles 3 mortos de fome.
Zé do Trocado se lembrou de seus 2 filhinhos, que morreram atropelados quando um carro desgovernado subiu na calçada onde ele e sua mulher pediam esmola nas ruas, após ele haver perdido seu emprego. E agora ao ver Berenice que se aproveitava da miséria daquela mulher, que alugava seus filhos para que ela ficasse com a maior parte das esmolas, não se conteve.
E estava prestes a denunciá-la por abuso de menores.
Berenice acompanhava o Gran Circus Maximus havia já algum tempo. Sabia da necessidade de carne fresca para as feras do Circo.
Em algumas cidades, os matadouros faziam acordo e forneciam carne para o Circo.
Mas como não eram todas as cidades que tinham essa facilidade, Berenice, acostumada a não valorizar a vida humana, e com receio de ser descoberta, arquitetou um plano macabro:
Mostrar aos tratadores onde ficavam os mendigos e os moradores de rua sem famílias, para que fossem mortos e viessem a servir de alimento para as feras…
ARISTEU FATAL
Viriato desde menino sempre mostrou muita pendência por mistérios. Vivia procurando livros, revistas, e tudo que se referia ao assunto. Assim, quando terminou sua vida escolar, procurou um curso de detetives, e, em um ano passou a exercer a profissão. Além disso, achou interessante ter sua identidade sempre modificada, através de todos os meios, inclusive em sua fisionomia, usando maquiagens, e outros artifícios que seriam impossíveis de alguém definir, facilmente, sua identificação. De outra parte, procurou se esmerar noutra determinada facilidade que possuía, a de ilusionista. Mexia com desenvoltura com cartas de baralho, e outras atividades com as mãos. E, adotou um cognome: Nico Valadão.
Num determinado dia apresentou-se à direção do GRAN CIRCUS MAXIMUS, mostrando suas habilidades para preencher um espaço nas apresentações da famosa e formidável casa de espetáculos. Admitido, logo se tornou um dos mais aceitos entre a “troupe” do circo. Nico Valadão passou a ser um dos mais queridos artistas, não só da família circense, como do público em geral.
Isto é, Nico Valadão, contratado pelo Serviço Social da cidade, como detetive, conseguiu se infiltrar no grupo de artistas do GRAN CIRCUS MAXIMUS.
Assim, de acordo com as necessidades, passou a observar toda a vida da casa de espetáculo, ora como membro da casa, e, ora transformado, como simples motorista da polícia, ou um fanático frequentador de circo.
Viu quando Berenice esteve conversando com os tratadores dos animais, e achou muito estranho.
Também, Zé do Trocado lhe contou o porquê da discussão dele com Berenice.
Em menos de três dias, seguindo Berenice, conseguiu manter contato com a mulher mãe das crianças vistas pelo Zé do Trocado. Esta lhe contou que aquela mulher (Berenice), que nunca tinha visto na vida, veio lhe propor a doação das crianças, pois ela dizia, ter gente rica interessada em adotá-las. Que receberia uma boa recompensa! Que viria no dia seguinte buscar as crianças. Nico Valadão orientou-a a ceder as crianças, afirmando que elas estariam em segurança.
Nico Valadão, esteve, também, nas cidades onde o circo passou anteriormente, e lá, aconteceram casos de sumiço de homens e crianças de rua.
No dia seguinte, armou uma cilada, levando a polícia, moradores da cidade ao circo, e conseguiu o flagrante da entrega das crianças aos tratadores dos animais.
Os proprietários do famoso circo foram todos presos, juntamente com o pessoal que cuidava dos animais.