Mensagem inacabada
Ana pegou o trem que ia de Morretes para Curitiba. Podia ter pego uma Van que faz o caminho pela Serra da Graciosa, seria muito mais prático do que as 3:30h nos trilhos e muito mais barato também. Além disso, não dividiria transporte com tantos turistas já exaustos do passeio e que sempre voltavam espantados sobre o quanto uma cidade do estado do Paraná podia ser tão quente, já que a capital era famosa justamente por sua temperatura fria. Mas para ela, era importante fazer aquele trajeto mais uma vez, como uma despedida que ela não fazia ideia de quanto tempo ia durar.
Enquanto as paisagens iam ficando para trás pela janela, como se elas que tivessem movimento, ia lembrando de toda sua infância na vila que viveu em frente aos trilhos da ferrovia da Serra do Mar Paranaense. A casa verde lembrava a cor da banana madura que estava por todo lado, seja no barreado ou no bolo que a avó preparava no fim da tarde, além das balas que o pai trazia de Antonina e adoçava o dia das crianças.
De repente sentiu saudade da inocência da infância e do futuro que não era sequer possibilidade ainda. Era como uma ideia que pairava no ar, como uma nuvem que em algum momento transbordaria chuva que forma o rio, o mesmo que corre para o mar, formando um eterno ciclo.
Despertou de seu devaneio com a voz de uma turista que dizia para o marido que nunca mais voltaria, que uma única ida era suficiente, enquanto tentava conter o filho que chorava porque não o deixaram entrar no lago que os moradores da região costumavam frequentar nos dias mais quentes. Provavelmente devia estar cheio naquele dia. E isso lhe trazia lembranças que fizeram as lágrimas rolar. As inicias IA, ainda estavam naquela árvore? Nunca mais tinha voltado para ver.
Chegou uma hora antes que o horário previsto para a saída do ônibus na rodoviária. Sentou em um banco na parte externa onde podia observar o vai e vem das pessoas que iam e chegavam. Assim como os táxis laranja. Ela sempre gostou dessa cor. Não sabia qual era a cor dos táxis em cada estado do Brasil mas ela tinha certeza que sempre acharia os curitibanos os mais bonitos.
Enquanto remexia a bolsa para conferir mais uma vez se estava com todos os documentos, teve o impulso de pegar o celular mais uma vez e discar o número de Inácio. Seu coração chegou a ter esperança que dessa vez poderia ouvir a sua voz. Mas após cinco toques ouviu novamente a voz fria e metálica que dizia: "sua mensagem será encaminhada para caixa postal, após o sinal deixe seu recado."
Pensou em apenas desligar como fez nas dezenas de outras tentativas. Mas sentindo que não tinha mais o que perder, dessa vez falou: Inácio, estou indo realizar meu sonho, estou indo embora. Eu sinto...
-Plataforma 147, embarque para São Paulo!
A voz seca e alta do motorista a assustou e fez com que se sentisse desconectada, sem saber muito bem o que estava fazendo e como foi parar ali. Pois ela estava prestes a transbordar algo que há muito tempo estava contido.
Antes que pudesse completar desligou, pegou a bolsa de mão e duas malas e foi andando em direção a fila que se formava.
E o que ela sentia ficou em aberto no ar, como as diversas possibilidades que se descortinavam a sua frente.