O VELHO VAQUEIRO
Foi cuidando de seu cavalo que encontrei o Seu Chico no final da tarde deste dia. A quentura que faz nessa época do ano estava esvaindo-se na medida em que os minutos iam trazendo o ocaso do crepúsculo. É nítido sentir na pele uma leve cruviana do Seridó chegando aos poucos na planície de altitude da serra de Santana. Seu Chico de 83 anos é uma figura meramente encurvada e de gestos linguísticos sussurrantes… parecia que carregava no seu corpo de aço viril todo o fardo de lutas, desamores, boêmia e de muita labuta.
Parecia não, eles carregam…
Seu Chico é um paradoxo para mim, um velho vaqueiro seridoense aposentado numa região em que o gado, historicamente falando, e por diversos fatores, não era a força motriz econômica daquele rincão plano de temperatura amena e de solo fértil para uma ótima agricultura. Suas experiências contadas de forma empolgante e quiçá orgulhosa me levaram a viajar do coração da Amazônia onde houve um resgate heroico que ele fez quando sua primeira esposa e filho estavam se afogando num igarapé após a canoa virar, até o causo de uma onça pintada que ele chamou de leopardo (esteticamente errado não está rsrs) caçada e abatida por um amigo lá nos contrafortes da serra da garganta há mais de 30 anos e que foi trazida nas costas.
Na prosa, ele alisa carinhosamente seu cavalo, aquele que ele estava cuidando no momento do nosso encontro, e que a mais de 20 anos tem sua fidelidade. E diz que ele também está aposentado assim como seu velho dono. Mas eu não sei se vaqueiros se aposentam, eu creio que não… talvez fiquem cavalgando mentalmente quando conversam sobre seu mundo de memórias favoritas a um bom e atencioso ouvinte. Acho que eles nunca deixam as rédeas, deve haver sempre uma vaquejada no recanto de sua mente, ou uma pega de boi que já rasgou sua armadura de couro nas caatingas bravias do Seridó. E, quando eles forem para o plano celestial, este trecho da tradicional canção western: “Cause they've got to ride forever on that range up in the sky” (Porque eles têm que cavalgar para sempre aquela distância no céu) vai sempre e sempre falar por eles e por este vaqueiro.
‘yppie-yi-oh, yippie-ya-yay’ velho cowboy!!!