Assassinato na sala de estar
Decidi aniquilar minha pasta de memórias. Estavam agrupadas em ordem cronológica: ingressos, passagens, cartas, embrulhos, cinema, teatro, shows, festas, casamentos, aniversários, amigos, parentes, namorados.
De posse de uma tesoura grande comecei picotar, mas titubeei quando li a primeira cartinha de aniversário entregue por duas colegas de um antigo trabalho:
"30/03/11
Rê, mais uma primavera, assim diriam nossas avós... que tenha sido comemorada com muita saúde, disposição e alegria. Desejamos que os anos não apaguem esse brilho que vem de você, que te conservem sempre assim: tão linda quanto um poema de Vinícius de Moraes. Que eles te tragam sempre mais sabedoria, aprendizado, amor, alegria, FELICIDADE. Feliz aniversário, amiga. Amamos você. Beijos beijos beijos com sabor de brigadeiro".
Depois da leitura da carta me dei conta de que, mais do que as lembranças, o que queria destruir era a mim mesma. Foi então que em meio ao entulho de memórias picotadas, amassadas e rasgadas, comecei a procurar o que havia saído ileso para recompor o relicário.
Algumas coisas valiosas salvei com durex, outras, inúteis, deixei ir embora. Luzia por exemplo foi embora picotada em tirinhas finas junto com a cartinha de Natal que ostentava um Papai Noel brilhante na capa.
- Luzia minha amiga, adeus!