O acampamento

Imagine o que é dormir com toda a sua família dentro de um barracão de lona preta, sarrafos velhos e bambu, no meio do mato com outras dezenas de pessoas, todas relativamente estranhas a você. Ocupar o mesmo lugar compartilhando espaço, sons, cheiros, roupas de cama, segredos, hábitos, olhares, risos e choro.

Medos.

Agora imagine esta experiência tornando-se rotina.

Não há para onde ir.

Você precisa continuar.

O risco é iminente. Não sabe bem de onde ele pode surgir, mas é certo de que ele virá: pistoleiros, assaltantes, criminosos de todo tipo. Podem atacar você, sua família e seu grupo das maneiras mais cruéis e possíveis. Imagine. Aliás, todos vocês passam seus tortuosos dias trabalhando, rindo, contando histórias, sonhando com um futuro prospero e fecundo em seu tão desejado pedaço de terra, mas o medo persiste. Ele está lá. Latente. Controlando o seu comportamento, os seus passos.

Há também toda a voracidade da natureza e a fragilidade de seu abrigo: cobras, escorpiões, onça pintada; tempestades torrenciais, ventanias, granizo. Entre você e toda sorte de riscos que sua cabeça é capaz de calcular apenas uma fina camada de plástico.

Um calor infernal durante o dia. Um frio desconcertante durante a noite.

Se você for homem, é certo que terá que participar da ronda noturna em turnos que não serão menores do que três horas. Andando no meio do mato, circulando as barracas, seguindo pela velha estrada da fazenda, ocultando-se nas sombras segurando uma ferramenta agrícola afiada que muito provavelmente não saberia maneja-la como um objeto de defesa nem mesmo se sua vida dependesse disso.

As noites escuras iluminadas por velas e lamparinas de querosene. No barracão até certo momento da noite era permitido o uso do lampião a gás, só até que todos se ajeitem em suas camas, guardem seus pertences e ficam suas orações. Muitas orações. Muita conversa sussurrada, dois ou três rádios sintonizados em estações distintas, mas em volume quase inaudível trazendo a curiosidade e o desejo de ouvir só um pouquinho das novidades ou histórias que vinham de um outro lugar longe dali.

Tosses, roncos, gemidos de dor e de desejo se misturando ao som de grilos e dos sapos cantores. De vacas mugindo em currais distantes. O barulho do capim sento amassado por passos em espreita era o que mais assustava.

– O que pode ser?

– Quem está lá fora?

– Olha... espia...

- O que foi isso?

- Onça!

Luiz RRosa
Enviado por Luiz RRosa em 03/10/2023
Código do texto: T7900547
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