O café
Coloca água na cafeteira. Olha para a planta e tenta lembrar a última vez que colocou água no vaso também. Ela é um cacto, pode esperar. Tem a resistência do deserto.
Sente um embrulho no estômago, não era fome, na verdade parecia que este sim era devorado por alguma espécie de dentes pequenos e afiados. Borboletas no estômago? Já não sabia como era a sensação, mas havia descoberto uma outra muito peculiar ao longo do tempo, a de água- viva no estômago.
Ovos mexidos. Seguir Quintaniando a vida seria belo, mas o relógio continua devorando tudo.
-Está quase pronto!
Grita da cozinha.
Ele parece não ouvir, porque não responde. Ele nunca responde e não ouve também.
Pensando em gritar mais uma vez. Desiste, respira fundo.
Caminha para fora da cozinha, já com tudo pronto. Ele não dá sinal de vida.
Ela vai até a porta do escritório e avisa. Agora seca e sem sorriso. Tá pronto.
Ele continua fixo na tela.
-O que??
Olhos revirando. Que força é essa que nos mantém intactos e não estilhaça vidraças?
-o café.
- Ah amorzinho muito obrigada. Já estou indo.
Para quem afinal ele responde? Será que alguém do outro lado da tela falou a mesma coisa, na mesma hora? Talvez em um mundo paralelo ela foi embora na primeira vez que não teve resposta. Mas neste, ela está presente. E não sabe o que fazer. Porque é difícil ter o poder da invisibilidade. E com grandes poderes vem grandes responsabilidades.
A heroína fatídica senta a mesa, o cachorro late querendo um pedaço do pão.
- Fica quietinho meu amor.
Ele como era de se esperar não entende nada e late mais alto como resposta a interação que ele não entende como negativa.
Ela cede, e da alguns pedaços.
Olha para a janela da sala, mais uma vez tudo intacto, as vidraças ainda não estilhaçaram.
- Vai esfriarrrrr
A voz já dois tons acima quase implora.
Ele aparece, lento nos passos, com sua costumaz pouca vontade.
Senta a mesa e seus olhos continuam vagos, eles não param. Voz alta como se tivessem a quilômetros de distância.
Da a primeira mordida no pão com ovo, enquanto ela toma o último gole de café.
Ele olha enfim para ela e diz:
- Está sem sal
Enfim todos os vidros se espatifam no chão