O INESPERADO

Inesperadamente começou a escurecer, como se a noite caísse de repente sobre o mundo. Preocupado fiquei, pois a aldeia mais próxima ainda estava alguns quilômetros distantes e ainda gastaria no mínimo uma hora de caminhada até chegar a um local seguro.

Uma tempestade agora, em um lugar desconhecido era tudo que não podia acontecer, pois naquele caminho repleto de pedregulhos e grama que era mais um trilho que uma estrada, seria impossível vencer, aquelas ladeiras escorregadias. A minha impressão é que nem um cavalo passava por ali há anos.

Caminhando, agora um pouco mais apressado, me sentia esgotado pelo esforço extra despendido para chegar à aldeia em segurança antes da chuva e da noite.

Caminhava num ritmo tão acelerado que nem me importava com o cansaço.

Repentinamente o que tanto temia: A chuva começa a cair com força e o vento forte a tornava gelada causando um desconforto que me fazia até praguejar, quando mais à frente após uma pequena curva, deparei-me com um casebre, com uma grande varanda de madeira, acelerei a minha marcha, então, para alcançar aquele abrigo, o que consegui em poucos minutos. Lá dentro a luz de um único lampião indicava a presença de alguém.

Após recuperar a respiração e sacudir um pouco a água que se acumulava em minhas roupas, resolvi bater à porta, para anunciar a minha presença e não dar a impressão de estar invadindo, ou até mesmo solicitar permissão ao proprietário para aguardar a chuva passar, protegido pelo telhado e o assoalho de madeira da espaçosa varanda. Parece que ninguém atenderia, uma vez que a demora foi mais longa que o normal. Embora eu estivesse ansioso e apressado, por causa da corrida até a casa, pareceu-me uma eternidade até que alguém mexeu na porta e a abriu.

A figura de uma jovem senhora apresentou-se à soleira e me disse boa tarde, seja bem-vindo. Bom, disse eu:

-Não vim, exatamente, aqui. Estava a caminho da aldeia e fui surpreendido pela escuridão e a chuva. Ela não parecia surpresa. Ficou um tempo me examinando, enquanto eu, em pé, como se aguardasse um convite para me sentar nos bancos existentes na varanda, pois estava me sentindo um invasor, pelo jeito como ela me examinava.

Enfim, rompeu o gelo e disse:

- O Sr. não é o primeiro a ser surpreendido pela tempestade. Ela sempre vem de surpresa e às vezes dura toda a noite.

Acho que não vai conseguir chegar à aldeia ainda hoje. Não nessas condições. Será melhor livrar-se dessa mochila, que deve estar pesando, entrar e trocar essa roupa molhada.

-Mas eu não estou querendo dar trabalho, respondi.

Ela então esboçou um sorriso e comentou:

- Pelo sotaque e o jeito de desculpar além do necessário, só pode ser brasileiro. Consenti, com um gesto e ela insistiu. Vai ficar parado aí até amanhã? Foi nesse momento que parece que me recuperei da surpresa.

Perguntei-lhe:

- Não vou incomodar? Seu marido não se importará?

-Ela respondeu. Não se preocupe, não vai incomodar nada, além do mais não tenho marido, sou viúva e moro só. Passo sempre as noites só. Não tenho parentes só converso com as pessoas da aldeia quando vou até lá ou quando elas vêm aqui. No mais são turistas como o senhor que são apanhados desprevenidos, pela chuva.

Estou acostumada. Entre.

Todo molhado e sentindo frio, depois desse convite, não recusaria, pois mais constrangedor que me parecesse.

Coloquei a mochila sobre um banco de madeira, na varanda, e entrei. Fiquei pouco a vontade pois estava ensopado e notei que molhava o piso de sua casa que me parecia tomar-lhe um bom tempo e trabalho para mantê-lo tão limpo e arrumado. Mas o convite foi mais que sincero. Pareceu-me que ela, pela solidão que devia sentir, gostava quando alguém aparecia para partilhar um pouco de tempo com ela.

Disse-me então. Ali tem um banheiro, com banheira. Vou aquecer um pouco de água. Se você tiver uma roupa seca na mochila, acho bom ir pegar. Não tenho mais roupa de homem em casa para lhe oferecer.

Retornei à varanda, e retirei uma muda de roupa da mochila e levei comigo e fiquei aguardando uma segunda ordem para entrar no banheiro e despir-me enquanto aguardava a água quente.

Salão grande sem portas no seu interior, portanto a cozinha era quase uma extensão da sala. Uma lareira, que parecia haver sido acessa pouco tempo antes já estendia suas primeiras labaredas aquecendo o ambiente. Uma mesa, que parecia de jantar, pelo tamanho, umas cadeiras, um sofá mais próximo da lareira e alguns tapetes, os quais pareciam de peles de animais, decoravam a enorme sala.

A porta do banheiro dava para esse salão e não demorou muito aparece ela com uma vasilha enorme com água quente saindo fumaça. Despejou na banheira e disse:

- Entre e tome um banho quente. Se a água estiver muito quente, abra a torneira que sai água fria e poderá temperar a seu gosto. Tem toalhas limpas e pode deixar a roupa molhada no chão que eu pego depois. Dizendo isso, afastou-se da porta do banheiro e dirigiu-se à cozinha. Aproveitei sua ausência, entrei e fechei a porta do banheiro, me despi, temperei a água a meu gosto e entrei naquela banheira quase cheia de água quentinha. Meu corpo agradeceu, pois parei de tremer. Minhas pernas pareciam que estavam tremendo tanto, que fiquei na dúvida se era pela emoção, pelo cansaço ou pela surpresa.

Agora me sentia mais a vontade dentro daquela banheira enorme. Tudo ali parecia muito espaçoso. Fiquei um bom tempo dentro da água, até que esta começou a esfriar. Saí da banheira enxuguei-me e vesti a roupa seca que trazia na mochila, que felizmente era impermeável. Deixei a roupa molhada na borda da banheira, para ver se secava e saí para o salão.

Lá estava ela. Agora sentada em uma das cadeiras, parece que se cansou de esperar, pois me demorei muito na banheira.

Convidou-me para sentar diante da lareira, no sofá macio e me aquecer mais um pouco, pois sentiu que eu ainda tremia um pouco.

O calor do fogo estava confortante e aqueceu-me bem rápido. Sentindo que eu já estava mais à vontade, me disse:

- Estou terminando uma sopa bem gostosa, receita de família, mais muito nutritiva. Deve estar com fome. Sente-se à mesa que vou lhe servir um pouco.

Sentei-me em um dos lugares que já estava preparado com guardanapos, talheres e pratos. Esperei e apareceu ela com uma grande panela de ferro, colocando-a em uma taboa sobre a mesa.

Com uma concha de madeira, serviu-me uma porção da sopa e comecei a degustá-la com uma avidez impressionante, não só pelo seu sabor, mas nem havia notado, estava mesmo faminto e com frio.

Terminado o jantar, voltei para junto da lareira procurando aquecer-me um pouco mais. Ela retirou a mesa, lavou as louças e veio até mim com uma esfumaçante e enorme xícara de café. Agradeci, mais uma vez, e comecei a tomar o café em pequenos goles, pois estava muito quente.

Foi ficando tarde e eu permanecia ali, em frente à lareira e prometi não arredar pé de onde estava por nada. Surpreendi-me quando a jovem senhora aconchegou-se no mesmo sofá tanto que seu corpo ficou colado ao meu. Imaginei que ela estivesse procurando aquecer seu corpo, pois permanecera todo tempo preocupada em me servir que parecia estar gelada. Gostei da sua presença e mais ainda quando ela encostou-se em mim. De repente começou a me olhar, como se já fôssemos muito íntimos e tocou a minha mão com a sua. Senti um forte calor subir e tornar meu rosto tão aquecido e vermelho, que ela percebeu e disse:

- Não se assuste. É que sou muito sozinha e carente e quando aparece uma pessoa como você, o que é muito raro, me sinto assim, com vontade de me aproximar e talvez receber algum tipo de carinho.

A partir deste momento, comecei a olhá-la de outra forma e me surpreendi quando me senti bem e um clima diferente surgiu entre nós.

Dali, para a cama, e após muitas carícias senti-me nas nuvens com o amor que aquela mulher me dera.

Ao amanhecer, ela levantou-se e preparou nosso desjejum. Uma mesa farta, digna de um marajá. Dirigi-me para o banheiro para me lavar e não encontrei minhas roupas molhadas. Haviam sido recolhidas por ela que as lavou, sem que eu percebesse e as colocara para secar. Quando lhe perguntei, ela me respondeu para não ter pressa, que descansasse mais um pouco me alertando que a subida até a aldeia deveria exigir um esforço maior do que eu imaginava.

Fui ficando. Almoço, jantar, lareira, cama e mais um dia se passou e mais outro até que já cansado daquela situação, peguei minhas roupas, coloquei-as na mochila e me despedi. Ela nada disse.

Quando já estava fechando o portão do jardim, ela me chamou e disse.

- Obrigada, boa estadia na aldeia.

Percorri o restante da estrada que me levaria à aldeia, um pouco com remorso e ao mesmo tempo feliz pelos dias que lá passei.