Lembranças à venda

A foto tinha como fundo o mar e um pôr do sol maravilhoso. Daqueles laranjas que colorem e esquentam toda a paisagem. E no primeiro plano aparecia Anita, minha prima, uma adolescente de 15 anos com um biquini também laranja, que nos fazia acreditar que a luz laranja do por do sol irradiava dela também. Cabelos longos castanhos escuros espalhados na foto assegurando que o vento estava forte. Dava para sentir o cheiro da brisa e o gosto salgado do ar perto da praia. Corpo magro como todo adolescente que não viveu o suficiente para acumular peso e experiências. O sorriso é largo, os dentes bem alinhados, todo o seu rosto sorria e dava o recado de que a vida é boa e de que somos seres felizes. Os dois braços estavam abertos e estendidos como se propusesse abraçar o mundo. As pernas fletidas ensaiando um salto, dava a impressão de movimento. Um ser humano integrado na paisagem, lembrando de que somos parte deste todo que se chama universo.

Esta é a foto que vejo no porta retrato esquecido na mesa de centro da sala da nossa casa de praia. Esta foto representa o tempo de adolescência de todos os primos. Tudo era colorido, leve e divertido. Vivíamos para brincar. Nada era planejado, as coisas aconteciam e sempre era bom e na hora que tinha de vir. Praia, frescobol, mar, prancha de surf, futebol na areia, passeios ao por do sol, luau de suco e refrigerante, jogos de Tabuleiro pela madrugada, pipoca, cheiro de maresia, quarto com beliches, risadas no meio da noite, contos de terror, medo de escuro, lua cheia, chuvas de final de tarde, peixe assado, peixe frito, camarão. As sensações, imagens e vozes retornaram em todos os meus sentidos. Férias, amor, amizade, companheirismo.

Batidas na porta. O caseiro chega:

— Boa noite Sr, Humberto. Veio só o senhor?

— Sim Augusto. Estou sozinho com este ar denso e cheio de tempos antigos. Amanhã à tarde receberei dois casais candidatos à compra da casa. Espero que você tenha tempo de deixar tudo organizado. Não precisa fazer o jantar. Vou até a padaria do Dalberto e como qualquer coisa.

A casa ganhou peso. Senti o choro chegando e saí depressa antes de desabar perto do Augusto. Hoje será uma longa noite.

Márcia Cris Almeida

22/09/2023