TERRA FORMOSA
Terra Formosa era uma dessas cidades que crescem do nada e evolui, inexplicavelmente, mas que tem alguma causa que provoca esse fenômeno. Às vezes ninguém nem mesmo sabe como começou e quem começou. Só sabem que alguma coisa deu certo e tornou-se um bom negócio investir no que está proporcionando lucro. Pessoas, muitas em busca de aventuras, outras em busca de enriquecimento rápido vão chegando, comprando terras, montando negócios que a cidade não tem e de repente a cidade se moderniza proporcionando aos seus moradores melhores condições de vida.
Lá espalhou-se a notícia de que o café era uma fonte de renda inesgotável e que se alguém se interessasse em ganhar dinheiro, Terra Formosa era a oportunidade que surgia do nada.
Não era bem do nada, nem de um dia para o outro que o café se tornou o grande negócio da região. Ali existiam grandes propriedades que não tinham uma agricultura predominante, portanto não tinha muito destaque, cultivavam o milho, o feijão, arroz, investiam no rebanho bovino que sempre proporcionava uma renda razoável, pois vendiam o produto para uma cooperativa na cidade próxima. Outros preferiam investir em gado de corte que vendia aos frigoríficos.
Certo dia um fazendeiro sem nenhuma experiência, herdou uma grande extensão de terras e resolveu trabalhar e fazer experiências, mesmo não tendo ideia do que fazer. Ele não inspirava muita confiança, pois estava sempre procurando informações com os mais velhos na terra em busca de uma ideia para começar a tocar a fazenda que herdara. Ia constantemente na cidade, consultava veterinários e agrônomos na cidade vizinha que tinha muitos recursos e por essa razão era olhado com desconfiança pelos vizinhos de terras. Passou algum tempo consertando, remodelando e cuidando de dar uma boa aparência na propriedade que ficara abandonada desde que seu pai havia morrido.
Experimentou a criação de gado bovino, suínos e tudo que podia.
Mas como sempre olhava para o morro atrás da casa grande, ficava imaginando porque ele nunca tinha sido explorado. Imaginava às vezes que era inviável, pois devia ficar muito caro explorar aquela terra com uma vegetação diferente e difícil de lidar. Até o próprio gado evitava aquela região. Certo dia, veio-lhe na cabeça ideias que não comentou com ninguém. Começou a preparar esse despenhadeiro para o plantio. Cortou as árvores, que eram mais arbustos do que outra coisa. Essas terras estavam paradas, não serviam mesmo para nada. Para plantar, seria muito dispendioso, pois exigiria um preparo e depois formar uma lavoura de qualquer coisa demoraria um bom tempo, assim pensavam todos, até ele mesmo um dia pensara assim. Sua atitude não era vista com ânimo por nenhum dos fazendeiros da região, pois imaginavam uma empreitada muito dispendiosa e com os riscos de não dar um bom resultado, assim as terras permaneciam paradas para o bem dos arbustos que cresciam à vontade.
Mas o fazendeiro, que se chamava Nilo da Silva Coutinho, não se impressionou com isso. Era daquelas pessoas que quando resolvia fazer uma coisa, acabava fazendo e quase tudo que começava terminava bem. Tinha uma visão para os negócios que causava inveja a todos os seus vizinhos.
Além disso tinha, ele, um grande rebanho bovino que cobria todas as suas despesas e ainda deixava um belo lucro. Mesmo nessas condições seus colegas agricultores não cansavam de falar que aquilo era loucura, jogar dinheiro fora. Aquele morro não prestava a não ser para os arbustos mesmo.
Nilo não se preocupou muito com a opinião do povo e persistiu com o seu projeto. Depois de limpo o terreno que
era bastante extenso, cerca de quatro alqueires, verificou-se que a terra era boa e que os seus amigos estavam errados. Mandou preparar para o plantio. Todos, naturalmente queriam notícias, não podiam imaginar o que o Nilo plantaria naquele morro que quase não dava para escalar.
Nilo ouviu umas conversas dos empregados do que estavam comentando na vila e teve uma ideia. Pensou ele: É melhor não revelar aos concorrentes o meu projeto.
Com a terra preparada e já pronta para o plantio Seu Nilo mandou que plantassem milho e feijão. Ai é que ninguém entendeu nada mesmo. Gastar uma dinheirama daquela para plantar milho e feijão, mostrava que a teoria deles estava cor- reta, seu Nilo não entendia nada de cultura. Mas foi com esse pensamento que se enganaram.
Enquanto a roça de milho crescia viçosa, verdinha e começou a ganhar força e crescer, seu Nilo havia montado um grande galpão tipo estufa e começou a plantar mudas de café em “bloquetes” feitos de terra com uma abertura no meio onde se plantava a semente para que esta germinasse. Foi fabricando os "bloquetes", com boa terra, e plantando no mesmo as sementes de café que havia trazido ele próprio da cidade grande.
Meses se passaram e seu Nilo não parava de plantar café nos "bloquetes". De repente as sementes germinaram e começaram a brotar as primeiras mudas de café. Lindas que só vendo. Os empregados surpresos até ficavam de boca aberta.
Mas ninguém entendeu o porque de tantos "bloquetes" com mudas de café empilhados em prateleiras que o seu Nilo fazia questão de mandar cuidar com carinho todos os dias Enquanto isso os empregados plantavam o feijão no meio do milho, prática normal naquela região. Quando o milho já estava crescido plantava-se o feijão que crescia e ao colherem as espigas de milho os pés que lá ficavam serviam para base do feijão cujas ramas subiam canas de milho acima. Vendo aquilo os vizinhos se acalmaram e não deram mais importância aos empreendimentos do seu Nilo.
Colheu muito milho e a roça de feijão estava uma beleza. Todos reconheceram que o homem tinha jeito para a coisa. Não sabiam eles que se surpreenderiam mais ainda nos próximos meses.
A medida que o feijão era colhido de cima para baixo, seu Nilo mandava transportar até o alto do morro os "bloquetes" com as mudas de café que já estavam medindo cerca de três palmos de altura. Uma turma colhia o feijão e a outra ia plantando os "bloquetes" de café, obedecendo a medida fornecida pelo seu Nilo que supervisionava o serviço pessoalmente. Assim passaram-se dias, e ninguém deu mais importância às iniciativas do seu Nilo. De longe passagem seus vizinhos e não dava para identificar a movimentação dos empregados que imaginavam estavam colhendo o feijão que já estava no ponto.
Passado algum tempo, milhares de pés de café começaram a crescer e já estavam à uma altura de mais de metro quando alguém começou a desconfiar.
Mesmo assim não deram importância, Acharam que era mais uma experiência de Nilo que buscava uma utilidade para aquelas terras e comentavam entre si: Ele já experimentou o milho, não deu, continuou com o feijão, acho que não deu certo também, agora está tentando com o café. Como sempre disse o homem não entende de nada e está jogando dinheiro fora.
A primeira colheita foi um sucesso. Seu Nilo contratou mão de obra extra e colheram centenas de sacas de café, que secavam no terreirão da fazenda.
Assim começou o progresso daquela terra. Com a iniciativa de um fazendeiro novo com pouca experiência, que acreditou em um sonho e não mediu esforços para realizá-lo. Seu sucesso encorajou outros fazendeiros a investirem no plantio do café, aproveitando assim os pastos ralos, onde o gado às vezes nem podia pastar, com o risco de rolarem morro abaixo. Com os resultados positivos e a vontade de ganhar mais, foram aumentando a área de plantio e deixaram de investir em outras culturas.
Alguns anos mais tarde, só se viam lavouras de café por todos os morros que os olhos podiam alcançar. Coisa bonita de se ver.
O café trouxe o progresso. No início ele era seco e ensacado nas fazendas e transportados de carros de bois até à cidade onde embarcavam em vagões da estrada de ferro com destino a cidades maiores onde eram beneficiados.
Não demorou muito, um morador da vila que tinha algum dinheiro resolveu montar uma maquina de beneficiar o café e vendê-lo já pronto para a torragem. Assim fez o Sr Elias que passou a comprar o café dos fazendeiros por um preço menor, porém sem que estes precisassem esperar os pagamentos dos beneficiadores da cidade grande.
Beleza de progresso. Seu Elias teve que contratar muitos trabalhadores, comprou caminhões que transportavam o café até aos grandes centros, sem depender da estrada de ferro. Assim foi enriquecendo seu Elias, os fazendeiros e os trabalhadores conheceram o progresso que foi chegando, como bancos, lojas de tecidos e de mantimentos. Tornou-se uma prosperidade só. Ninguém precisava mais sair da cidade para fazer compras. Lá havia de tudo.
Aumentando o fluxo de remessa de café, a fiscalização montou um posto na cidade onde fiscalizava a remessa de café e as mercadorias que chegavam via estrada de ferro e de rodagem. Uma coisa trazia outra. A fiscalização fazia as estatísticas de produção e consumo e enviava para a administração estadual passou a dar uma assistência maior à cidade.
Mandou verba para a construção de uma unidade hospitalar, melhorou os prédios públicos, a cadeia, a prefeitura, a câmara dos vereadores e as estradas de acesso ao município. Até escola o Estado mandou erguer, para os filhos dos trabalha- dores estudarem.
Assim começou o progresso em Terra Formosa. Começou com uma plantação de café e conheceu sua época de ouro, onde as pessoas andavam bem vestidas, consumiam artigos de luxo, viajavam para a capital da república e para outros estados. Esse progresso foi intenso e durou muitos anos.
Mas como tudo que começa, um dia tem fim, o progresso foi regredindo da mesma forma que surgiu.
Primeiro foi a estrada de ferro que acabou, depois o banco encerrou as atividades, pois o café já não era encontrado com tanta abundância como antes. Os agricultores não renovaram as suas lavouras e a que existia já não era tão produtiva como antes. Mas esse crepúsculo não foi por falta de recursos e nem por despreparo dos cafeicultores da região. Parece que houve um desânimo geral. Tudo isso contribuiu para determinar o fim do ciclo do café em Terra Formosa que conheceu a riqueza e o progresso. Mas não foi só o café que acabou com o sonho de progresso da cidade. A estrada de Ferro levava uma boa parte desse progresso. Além dos passageiros para outras cidades próximas, transportava tudo para a capital que ainda era o Rio de Janeiro, cidade que consumia de tudo. Os produtores rurais da região vendiam seus produtos na capital, por terem esses uma ótima aceitação, pois eram de boa procedência e tinham uma qualidade que já não se encontrava nos produtos da capital.
Fim da produção de café, da estrada de ferro, das estradas para as fazendas, a cidade começou a esvaziar-se, ficando somente aqueles que eram moradores antigos e estavam acostumados com o que tinham antes.
Seu Elias faliu. Fechou as portas, despediu seus empregados, pois não havia mais café para beneficiar. Vendeu seus caminhões e acabou morrendo algum tempo depois, não se sabe se por desgosto ou por outra causa.
A Maternidade que havia sido construída, não tinha médico nem enfermeiros e a prefeitura sem recursos para contratar, também fechou as portas da mesma e comprou uma ambulância para levar os pacientes para a cidade grande.
Hoje Terra Formosa vive da produção de leite. O rebanho aumentou, por necessidade, desmatamentos foram feitos e os pastos ampliados.
Ninguém sabe onde foi parar o progresso de Terra Formosa que teve seus dias de glória e agora não passa de uma vila com péssimas estradas, escolas sem qualidade, sem médicos, bancos e comércio. Tornou-se uma rota para os caminhões que pegam o leite nas fazendas e levam para uma cooperativa na cidade grande. De vez em quando alguns passageiros pegam carona nesses caminhões pois precisam de frequentar a cidade grande de vez em quando, para ir ao banco, ou fazer compras de produtos que não existem em Terra Formosa.
Acabou-se o café, acabaram-se os grandes fazendeiros que se tornaram pequenos de novo, cresceu o rebanho bovino. A fonte de renda que restou ao município, do leite tira-se tudo. A sobrevivência dos fazendeiros, que por sua vez empregam alguns trabalhadores do lugar e os pequenos permanecem pequenos, sempre lutando para não piorar. Plantam suas roças, vivem de pequenos produtos que entregam na cidade, como a fabricação de queijo e linguiças, a plantação de hortaliças e legumes que também são vendidos para os moradores da cidade.
Na cidade, só os idosos têm um dinheirinho certo no fim do mês é a aposentadoria conseguida através do extinto Funrural, que através do INSS, lhe pagam uma quantia equivalente a um salário mínimo. Pouco? Claro, muito pouco mas que seriam desses idosos se não houvesse esse rendimento? Teriam, ainda forças para o trabalho no campo debaixo de sol forte, muitas vezes caminhando muitos quilômetros para e trabalho e de volta para casa. Abençoado esse rendimento que proporciona um mínimo de sossego para essa gente sem esperança.
A prefeitura sobrevive como pode, tratores caindo aos pedaços, vivendo do fundo de participação e transportando os doentes para hospitais e consultas na cidade próxima, onde ainda há estrutura, naturalmente, não muito apropriada. Falta muita coisa. Pessoas morrem por falta de recursos, mas os casos menos graves, são tratados satisfatoriamente. Os demais Deus cuida.
Terra Formosa, de Vila a Cidade progressista, retorna à sua condição de Vila, sem recursos, sem trabalho e com medo do futuro.
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