Felicidade que não se busca
Houve uma época em que um grande amigo meu vivia reclamando dos momentos difíceis porque passava e lamentava estar sempre presente e participando de situações que entendia serem deprimentes e que atrapalhavam lhe a vida, causando desgastes à sua saúde.
Tínhamos o costume de frequentarmos a sauna nos sábados na parte da tarde e lá ficávamos até às 21 horas, quando fechava. Naquelas horas, no entra e sai da sauna para a ducha ou para o bar, estávamos sempre falando de assuntos de nossas vidas, nossos anseios, nossas frustrações, mas para mim, eram queixas sem grandes significados, uma vez que me faltaria a coragem no caso de aparecer uma oportunidade para mudar de vida. Estava ruim, em desacordo com o meu ideal, mas mudar, radicalmente, era impossível.
Em todas as conversas que tínhamos sempre aparecia alguém para oferecer, sem que pedíssemos a sua opinião e até mesmo conselhos. Alguns contavam histórias que acabaram mal outras que se deram de forma fantástica e que trouxe para a pessoa momentos de alegrias e realizações, há muito almejadas.
Nisso eu pensava o tempo todo. Sempre me perguntava se eu teria a coragem de um daqueles que viraram a mesa e iniciaram uma nova vida nos moldes dos seus sonhos.
Havia um advogado, que seu jeito fino e educado dava margem a interpretações duvidosas sobre a sua masculini- dade. Esse senhor, contou-nos certa vez, ter saído de sua cidade, onde havia feito uma bela clientela, tinha uma família respeitada com filhos e filhas e abandonou tudo isso para tentar ser diferente na nossa cidade. Por sorte, ficou amigo de um seu colega cuja clientela já ultrapassava a sua condição de manter o padrão no atendimento e recebeu, desse seu colega a indicação de bons clientes. Sua vida, segundo ele, começou a mudar daí. Acabou apaixonando-se por uma moça da cidade, viúva, sem filhos e casou-se. Para nós esse Advogado contou que estava insatisfeito com a sua vida no sul, mas que não imaginava que a diferença fosse tão grande. Que perdera um tempo enorme, inutilmente, na incerteza de tomar uma decisão. Isso, segundo ele, lhe custara anos de felicidades e bem estar.
Com a sua narrativa, nos sentimos muito animados, eu e o meu amigo Roberto, o qual sempre defendia a mesma ideia do nosso amigo advogado vindo do sul.
Mas em contrapartida apareciam aqueles que contavam histórias medonhas, de assassinatos, de roubos de enganos e famílias abandonadas, assim como pessoas que tiveram a coragem e acabaram sem emprego, sem recursos até para sobreviver.
Pesando, os prós e os contras, ficávamos sempre com a mesma dúvida. Como fazer e dar certo? Existia alguma garantia? Concluímos que garantia não existia a mínima. Mas as probabilidades não eram tão desanimadoras quanto alguns pintavam.
Por nossa vontade de mudar de vida, acreditávamos mais nas histórias favoráveis. Torcíamos sempre para que tudo desse certo para um ou outro que tomávamos conhecimento de ter dado o primeiro passo.
De simples conversas de sauna e de botequim, acabamos traçando planos para concretizarmos aquelas nossas vontades, que estavam quase se tornando verdadeiras.
Fizemos, então um acordo, mais um pacto que acordo, mas, enfim, era um encorajamento a mais.
Tomar a decisão, estava difícil, sempre que pensávamos no caso, dava uma dor na barriga que nos deixava desconfortáveis. Contudo não deixávamos o assunto de lado. Conspirávamos constantemente. Faríamos assim, ou então de outro jeito e sempre deixando claro que acontecendo algum inesperado, recorreríamos à ajuda do outro. Com isso, ficávamos com a certeza de que não nos atiraríamos na lama.
Arquitetamos um plano. Gastaríamos o mínimo possível e procuraríamos ganhar o máximo possível em nossas funções. Guardaríamos tudo em uma poupança, para ser usado em alguma eventualidade, caso houvesse um erro qualquer e fôssemos obrigados a retornar.
No fundo eu procurava encorajar Roberto, mas tinha certeza de que não teria coragem para fazer o que propúnhamos.
Assim fizemos, fizemos tudo conforme combinado por mais de um ano. Já havíamos capitalizado algum recurso que pudéssemos usar mais tarde, se necessário. É claro que eu não pretendia usar, mas não confessava isso ao meu amigo, pois isso o desencorajaria além do que já estava. Mas os recursos estavam depositados em uma conta conjunta que qualquer um de nós pudéssemos usar, quando necessário. Eu cumpria a minha parte, mas dentro de mim, estava resolvido que não colocaria as mãos naquele dinheiro e que ficaria para ele, quando necessário, ou ficaria na conta rendendo juros até resolvermos, em conjunto, o destino a dar aos numerários.
Com uma turma de amigos, resolvemos ir em uma reunião em uma cidade próxima. Partimos cedo, pois a reunião iniciaria às 19 horas. Foi quando o celular de Roberto tocou e ele atendeu dizendo “querida”. Sabia que não estava falando com sua esposa, pois haviam separado e ele não se dirigia a ela assim.
Fiquei curioso, mas me afastei e deixei que conversassem. Após o telefonema, nos dirigimos ao local da reunião, e quando esta acabou voltamos para casa, sem nenhum comentário de nenhuma das partes, ele não falou, também não perguntei.
Como nos encontrávamos diariamente, no dia seguinte ele me confidenciou que estava conversando com alguém de quem havia gostado e que aquele telefonema foi o primeiro que recebera. Embora me parecesse um pouco surpreendente, ele me contou que havia feito o primeiro contato pela internet e que ainda nem conhecia seu rosto, pois não tinha nenhuma foto dela, mas aguardava que ela a enviasse em breve.
Com isso o tempo foi passando, continuávamos sempre no nosso propósito de realizarmos o nosso sonho de viver uma outra vida em outro lugar que não a nossa cidade.
Meses foram passando e Roberto só me comentava sobre as mensagens que trocavam via computador e que de vez em quando falavam ao telefone.
Depois de havermos feito uma viagem, ele me disse haver resolvido ir até a cidade dela para conhecê-la pessoalmente e marcou o dia, fui com ele até a agência onde comprou uma passagem para fazer a sua sonhada viagem.
Estava tão empolgado que fiquei com inveja, tanto da sua felicidade quanto da sua coragem de começar algo que havíamos planejado há anos.
Alguns meses se passaram, no vai e vem, fiquei conhecendo a sua escolhida.
Confesso que a achei um pouco diferente dele, mais extrovertida, o que contrastava com a personalidade do meu amigo.
Mas isso não me preocupou muito pois ambos pareciam tão empolgados que, na minha imaginação, tudo só poderia dar certo.
Um certo dia, meu amigo Roberto veio me comunicar que venderia tudo que tinha em nossa cidade e se transferiria de vez para a cidade dela.
Sei que várias tentativas de trazê-la para viver com ele em nossa cidade fracassaram. Ela tinha um emprego público e não tinha jeito de abandonar tudo. Não era conveniente.
Sobrou para Roberto decidir se queria ou não continuar esse romance e pagar o preço. Mas não é que o danado teve peito e largou tudo e foi viver o seu amor em terras estranhas.
Lembrei do caso do nosso conhecido que havia feito a mesma coisa.
De vez em quando ele aparecia por aqui, para passear, para rever os amigos e os seus filhos que aqui ficaram. Depois de um certo tempo as visitas foram diminuindo e perdi de vista o meu amigo.
Soube, no entanto que ele havia ficado sozinho de novo. A mulher sonhada acabou enjoando e o abandonou. Dizem que hoje ele mora sozinho, está velho e se tornou depressivo e insuportável.
Aposentou-se e vive isolado de tudo e de todos.
Esse foi o final e o resultado da coragem do meu saudoso amigo Roberto, do qual há anos nem tenho mais notícias.