As Gêmeas

Sempre que me vem à memória a forma como conquistei Elenice ou fora por ela conquistado, porque, para o amor, pouca diferença isto faz, aquelas cenas de que fui testemunha, proporcionadas pelo meu prestativo par de binóculos e com uma ajudazinha da curiosidade, desfilam na minha imaginação. Elas são tão vivas que receio estar diante de minha esposa quando isto acontece. Não digo que ela seja ciumenta a esse ponto, mas parece que me transformo. Não raro interrogou-me sobre minha distração, vendo minha cara de panaca, embevecido e distante. Já tive que inventar várias desculpas para que não desconfiasse de nada; felizmente ela não tem o poder de ler os pensamentos. Não nego que o desejo por Carina tenha uma vez existido; é como apreciar uma mulher se despindo, em um filme, por exemplo, ou acabando de sair do banho completamente nua, o instinto de adolescente reaparece na hora.

Se a respeitei por ter verificado que tinha um alguém, evitando dela me aproximar, mesmo tendo para isto inúmeras oportunidades, imagina então depois de estar namorando sua irmã gêmea. O desejo mudou de alvo. E para o alvo certo. Pois, o amor que tenho por Elenice não é, em nada, menor do que o respeito que nutro por Carina. Dois anos se passaram e hoje, casados, não somos um por cento menos felizes do que fomos em nossa lua de mel. Eu apostaria que somos ainda mais felizes, pois há três meses soube que vou ser papai e ando bobo feito criança.

Contudo, nem todos possuem a mesma opinião que eu, de que é ilegal, impuro e perigoso cortejar uma mulher casada. Não entendo como tantos homens não sentem receio de se submeterem a uma aventura deste tipo; quanto a mim, acho que não vale a pena. As vantagens e a improvável felicidade não compensam a insegurança deste tipo de relação. Neste sentido, a beleza, a simpatia e a enorme sensualidade de Carina se tornam uma deliciosa tentação para os mais incautos. Ainda bem que consegui sair dessa, ou melhor, nem cheguei a entrar. Carina teve um caso fora do casamento, tão rápido quanto conturbado e, graças ao fato de ter uma irmã gêmea, conseguiu safar-se sem maiores consequências. Vou deixar que minha mulher narre este fato, pois vivenciou-o melhor do que eu.

- Mas, como a Carina foi se meter numa situação dessas, ela não ama o marido? - quis saber de Elenice.

- Disso eu tenho certeza, mas você não sabe o que eu sei.

- E o que você sabe, meu amor? - perguntei, curioso.

- Creio que tudo tem a ver com a situação financeiro do sujeito e com o jeito de ser de minha irmã.

- Quanto a isto, concordo. Carina é super meiga e atenciosa e, quanto à beleza física, não existe a menor dúvida. - Falei isto sem reservas, mas não vi a menor manifestação de ciúmes no rosto de minha esposa.

- O cara é rico? - perguntei.

- não posso afirmar, mas o padrão de vida é muito superior ao dela; dá de goleada. Se você quer saber, e ninguém conhece a vaidade de minha irmã melhor do que eu, sempre sonhou com a riqueza.

- Conversou com ela?

- Sim, por isso quero a sua ajuda. Estive em sua casa no domingo passado e passamos a tarde juntas enquanto Alexandre assistia na sala ao jogo de futebol. Estávamos no quarto, com a porta encostada e podíamos conversar à vontade. Tive pena da minha irmã. Estava tão infeliz! Até chorou no meu ombro.

“ - Calma, maninha! Cuidado para não chamar a atenção do Alex. Há quanto tempo sai com ele?

“ - Não faz muito tempo; creio que uns dois meses - ela me respondeu, secando as lágrimas, procurando se controlar.

“ - Tenho certeza de que não ama esse homem. Porque, então insiste nesse relacionamento?

“ - Já quis terminar, mais de uma vez, mas não consigo.

“ - Por que não consegue se não o ama? Simplesmente esqueça-o e não o procure mais.

“ - Não é tão simples assim. É certo que me dá jóias, que não posso usar por causa do Alex, me leva a lugares caros e me trata como uma verdadeira rainha; é outro mundo!

“ - Mas é um mundo perigoso, meu amor! Você está se deixando levar pela ilusão. Sei o quanto ama o Alex; acha que ele merece isto? - falei, tentado persuadi-la. Ela me olhava com uma expressão de profundo amargor. Li em seus olhos um pedido urgente de socorro. Quero ajudar minha irmã, por isso estou revelando o fato a você; é a única pessoa em quem posso confiar.

- Ele sabe que sua irmã é casada?

- Sim; foi a primeira coisa que ela lhe disse no momento da conquista. Mas, segundo Carina, foi isto que o fez querê-la ainda mais; pelo jeito é um desses Don Juan tarados por mulheres casadas; e com muito dinheiro, foi o que facilitou a sedução.

- Ele é casado?

- Sim; é um canalha completo; é casado e com filhos.

- Acho que já sei como ajudá-la; acabo de ter uma ideia - disse, enquanto olhava de cima a baixo o corpo de Elenice.

- Por que me olha desse jeito? - perguntou-me, mais assustada do que curiosa - é certo que somos gêmeas, e totalmente idênticas, não fosse meu cabelo pintado.

- Isto não sera problema, é só fazê-lo voltar à cor natural - falei, confiante.

- Querido, está esquecendo de um detalhe. Olhe para a minha barriguinha; esqueceu que estou grávida? - disse, mostrando o ventre proeminente de quase três meses.

- Ouça a minha ideia - e expliquei em detalhes o que ela deveria fazer. Dois dias depois tiveram as irmãs a seguinte conversa.

“ - Você entendeu o que tem que dizer a ele? - perguntou Elenice.

“ - Acho que sim. Onde estão os exames?

“ - Aqui os tem - disse minha mulher, tirando da bolsa uns papéis e entregando-os à irmã. Devolveu-lhe também os seus documentos "- não precisei deles, mas foi bom levá-los por precaução. Conte-me mais sobre o sujeito; não posso falhar quando chegar a minha vez.

A notícia da gravidez transtornou de tal forma o amante que o deixou sem palavras. Passados alguns minutos, no entanto, conseguiu refazer-se e fitou Carina no fundo dos olhos para ver se mentia. Ela conseguiu, com algum esforço, manter-se firme e decidida.

“ - Como vou saber se não está mentindo; o que quer de mim; isto é, por acaso, algum golpe? - ele perguntou com fisionomia séria. Carina sentiu-se ofendida com esta insinuação e ali mesmo decidiu que acabaria definitivamente com aquele homem, segundo fiquei sabendo depois.

“ - Se é isto o que pensa de mim, lamento por você. Aqui está, não tenho necessidade de mentir -disse, enquanto lhe passava os exames que ele tomou nas mãos examinando com cuidado; em seguida, devolveu-os a ela.

“ - não parece que está no terceiro mês de gravidez - disse o amante, entre convencido e frustrado.

“ - Espere algumas semanas e poderá fazer as suas constatações -ela respondeu.

Carina cumpriu à risca nossas recomendações no sentido de não ver o amante por pelos menos três a quatro semanas. Alegou mal estares, idas constantes ao médico e outras desculpas que devem tê-lo convencido. Ele não deixava de ligar um dia sequer; dizia estar sentindo saudades, mas dizia também que não acreditava em sua estratégia, queria vê-la a fim de comprovar se, de fato, estava grávida. Ela então quis saber o que ele faria ao assegurar-se de que não mentira; que a gravidez era real. Quis saber se ele assumiria a criança e chegou a prometer que terminaria o seu casamento para ficar com ele. Ele ficava confuso, sem saber o que dizer. Ela percebeu claramente que seus objetivos não passavam de pura diversão e status; satisfação do ego ao ter uma mulher linda e bem mais jovem do que ele. Aventura era o que queria.

Chegou a vez de minha esposa fazer a sua parte. Confesso que fiquei apreensivo ao ter que colocá-la na situação; fingir-se de amante de um sujeito que eu nunca vira. Por isso, levei-a de carro até bem próximo do ponto de encontro. Consegui que marcassem em local fácil a minha visão; em que eu pudesse acompanhar tudo de dentro do carro. Tinha de tal modo se preparado para que não deixasse a mínima diferença entre ela e a irmã que até a mim enganariam. Cheguei a brincar com ela, no caminho, para descontraí-la, pois estava tensa e apreensiva.

- E se ele descobrir? - perguntou-me.

- Esta brincando!? Na verdade não sei com qual das duas estou falando agora. É claro, não fosse essa única diferença - disse, acarinhando-lhe a barriga, já bem notória a essa altura.

- Fiz tudo que pude, com todos os detalhes, mas mesmo assim ainda me sinto insegura. Se algo der errado a culpa será sua que teve essa ideia maluca.

- Vai dar tudo certo, fique tranquila. Sempre foram idênticas; de rosto então nem se fala. Agora mais ainda. Sequer precisam de espelho para se pentearem ou maquiarem-se, basta uma se mirar na outra - brinquei novamente, mas ela não sorriu.

- Lá está ele; pela descrição não pode ser outro.

Vi um homem elegantemente vestido, saindo do automóvel e dirigindo-se ao restaurante, local do encontro. Estávamos na calçada da praia, do outro lado. Beijei minha mulher, desejando-lhe boa sorte e ela se foi, atravessando o sinal. Dei a volta com o carro e coloquei-me a uma distância segura de onde pude apreciar, com exceção das vozes, todos os seus gestos e reações.

Só tenho para acrescentar que tudo acabou bem para minha mulher e principalmente para Carina; ela estava certa em sua intuição. Ao constatar o que, para ele, era a mais pura verdade, o homem desapareceu de uma vez de sua vida, o que a tornou ainda mais feliz do que antes em seu casamento. E aumentou o meu conceito perante a família e o amor de Elenice por mim. Que Bom!

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 18/09/2023
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