O carrasco de Pedra Branca

De origem europeia, emigrou, de lá, para o Brasil no início do século XIX, uma família com muitos integrantes. Garotos pequenos, jovens e adultos, solteiros e casados. Toda família foi trazida por compatriotas já moradores nessas terras, que para eles tudo facilitou. O local, conhecido, apenas como Pedra Branca, não possuía nenhuma estrutura, apenas um riacho que cortava as terras o resto era mata e pasto.

Não havia uma casa pronta, tampouco qualquer plantação ou algum animal, para iniciarem a vida na terra desconhecida.

O pouco dinheiro que trouxeram na bagagem, foi sufi- ciente, apenas para a aquisição de duas vacas dando leite, um cavalo, necessário para ajudar no desbravamento da terra e algumas galinhas e outros pequenos animais.

Utensílios de cozinha e outros necessários no cotidiano. Foram improvisando e muitos utensílios e ferramentas receberam em doação pelos vizinhos que presenciavam a dificuldade daquela gente recém chegada.

Começaram, então a erguer suas casas, uma de cada vez. Madeira existia com fartura, restava cortar, deixar secar por uns dias e depois serrar, transformando toras em taboas, caibros e outras peças mais pesadas necessárias para a estrutura das casas.

O trabalho era exaustivo, uma vez que tinham que dividir o tempo entre a preparação da terra para o plantio e a construção das moradias. Trabalharam muito, mas alguns anos depois já tinham uma verdadeira vila de casas, uma bela roça e muitas cabeças de gado.

Não havia distinção, as mulheres trabalhavam tanto quanto aos homens. Pegavam no pesado também, cuidavam mais da roça e do gado enquanto a maioria dos homens se dedicavam à tarefas mais pesadas.

A família trabalhou muito e progrediu com naturalidade, pois era um povo simples, acostumado a viver sem luxo. Necessitavam de poucas coisas para sobreviverem. A maior parte do seu tempo era consumida pelo trabalho, não sobrando nada para o cuidado com a beleza e as vaidades femininas. Os homens, também não tinham boa aparência, eram pessoas brutas, de feições desagradáveis e moravam em casas rústicas. Não tinham armários nem camas, apenas uma prateleira, uma grande mesa de madeira bruta e bancos compridos, também de acabamento grosseiro, onde sentavam, uma vez por dia para fazerem a última refeição, já que almoçavam na roça em caldeirões que eram transportadas pelos meninos das famílias.

O tempo foi passando, a família crescendo, um casamento ou outro, fora da comunidade, o que levava algum membro ou trazia outro para a convivência da família.

Depois de muitos anos, uma escola foi improvisada em um galpão e uma professora voluntária ia até à propriedade dos europeus para ministrarem aulas de português e matemática. Era o indispensável, naquele momento. Mas novas gerações foram surgindo e se espalhando pela região agora transformada em uma grande comunidade, de raças diferentes desse jeito uma mistura de raças formou-se na região. Uma vila onde ergueram a igreja com uma rua e as casas construídas às margens dessa rua que era a estrada para a cidade. A escola melhorou, agora vinha professora do Estado que também dava aulas de geografia e história e os filhos dos colonos começaram a se instruir melhor. Aprenderam bem a nossa língua, a geografia da região e do país, como a história do descobrimento até os dias atuais.

Esse conhecimento parece que desuniu um pouco a família, seus membros, melhores instruídos, se tornaram mais seguros e se aventuravam a viajar e viver em outros lugares. Alguns até se mudaram para a cidade próxima, sede do município, onde tinham melhores condições de vida. Escolas melhores para os filhos, assistência à saúde e uma vida social mais sofisticada que a simplicidade costumeira da vila.

Desses que se mudaram estavam o Zezinho, rapaz jovem, de muito boa aparência, logo casou-se com uma moça da cidade.

Mais refinada e instruída que o marido, dona Zilma, esta não se importou muito com os modos grosseiros deste, os quais na medida do possível foi tratando de corrigir.

Zezinho ficava pouco em casa, pois tinha que ir para a roça cuidar da sua propriedade, naquela época, se o dono não ficasse de olho, as coisas não progrediam.

Acostumado a passar a semana toda sozinho deixando, também dona Zilma na cidade, com os filhos, Zezinho se apegava mais aos hábitos do mato do que aos da cidade. Era uma terra onde os homens tinham o costume de andarem armados, pois as contendas muitos corriqueiras, exigiam uma atitude mais brusca pelos conflitantes. Vez ou outra acabavam se matando.

Zezinho, muito exasperado e violento logo começou a conquistar inimigos numerosos. Com isso teve que contratar capangas para protegerem-no contra emboscadas. Nunca saía dos limites da fazenda desacompanhado.

Certo dia, em uma venda de beira de estrada, próximo à sua propriedade, enquanto todos os presentes conversavam, bebiam cachaça e fumavam cigarro de palha, Zezinho resolveu apear de sua montaria, junto com o capanga, que trazia uma espingarda pendurada no ombro e adentrou a venda pedindo uma dose. Alguns presentes não viram com bons olhos aquela atitude, pois estava parecendo afronta, uma vez que ele nunca era bem-vindo a lugar nenhum por ali.

Tomou a primeira, e já estava pra lá das 5 doses, quando se desentendeu com um freguês e começaram a discutir. Zezinho, não pensou duas vezes, sacou a garrucha 44 e acertou um tiro bem no olho do seu desafeto. Alguns presentes esboçaram uma reação, mas com a presença do capanga que apontava a espingarda para o lado deles, cada qual tratou de procurar o caminho de casa. Zezinho, então, substituiu a munição utiliza- da por uma nova e continuou a tomar sua pinga, como se nada houvesse acontecido. O seu Tancredo, dono da venda, suando como cavalo velho, não sabia o que fazer, mas por sorte, alguém espalhou a notícia e vieram os parentes do morto correndo. Quando Zezinho e seu capanga deram pela coisa tiveram que sair em disparada para não serem linchados. Alguém foi na cidade e chamou a polícia que veio até à vila, constatou o cri- me, e como nada mais havia a fazer para concertar as coisas, deixaram o morto por conta de seus parentes que o levaram para casa e saíram à caça do assassino. Invadiram a fazenda de Zezinho, mas não o encontraram, já havia fugido para o mato. Como era noite, os soldados da polícia resolveram retornar, para reiniciarem a caçada no dia seguinte.

Foi o bastante, para Zezinho sumir. Foi se escondendo, cada dia na casa de um parente, evitando ser visto por qual- quer pessoa e enquanto não passaram 5 anos não pode ir para casa, pois a polícia estava sempre rondando por lá. Dona Zilma, coitada, se não fosse seus parentes estaria passando por dificuldades, pois nada havia em casa para comer, durante todo esse tempo. Passado uns meses, seu Zezinho mandava um empregado entregar uma coisa ou outra em casa. Alguns queijos, um saco de feijão, outro de arroz e alguns legumes frescos que seu empregado deixava em casa de Dona Zilma. Voltava sempre levando coisas para a fazenda, açúcar, farinha, e outras pequenas coisas que lá não produzia. A polícia, algumas vezes abordou o mensageiro, mas esse nada sabia. Só cumpria ordens do capataz da fazenda. Foi seguido outras vezes, mas nada. Seu Zezinho desapareceu. Com o tempo o fato caiu no esquecimento e ele começou a andar livremente pela vila e não demorou a aparecer na cidade. No início escondido e depois ficava bem à vontade, já que ninguém o incomodava mais.

Filhos crescidos e estudados. Rapazes bem cuidados pela mãe que já havia acostumado com a ausência do marido. Estes já não sentiam mais falta do pai e isso foi afastando o seu Zezinho de casa cada vez mais até que sua esposa pediu o desquite – naquela época não havia, ainda, a lei do divórcio. Quem resolvia se separar tinha que haver o processo de desquite, o que era muito mal visto pela sociedade - para viver uma vida mais tranquila e não ser apontada nas ruas como a mulher do assassino. Só contava com a ajuda do marido na manutenção da casa, com mantimentos produzidos na fazenda, o resto teria que comprar na cidade. Começou então a fazer costuras para algumas pessoas, onde ganhava o dinheiro suficiente para completar o orçamento doméstico.

Os filhos se tornaram adultos e logo procuraram mudar para a capital onde teriam melhores condições de trabalho e de estudo. Como tiveram uma criação rígida e privada de tudo, se deram bem na cidade grande onde estudaram e trabalhavam enviando recursos para a mãe que ficou sozinha na cidade do interior.

Seu Zezinho foi envelhecendo, como era natural e com a velhice foram aparecendo algumas doenças que precisavam da ajuda de alguém para fazer o tratamento. Como não tinha mais uma esposa para lhe assistir, entregou-se aos cuidados de uma das empregadas da fazenda que não fazia direito o que era necessário, mesmo porque não tinha lá grande experiência. A doença então evoluiu e causava um grande desconforto ao Seu Zezinho que às vezes urrava de dor, sem que ninguém pudesse fazer nada. Médico ou farmacêutico, naquele fim de mundo, nem pensar. Assim morreu o Seu Zezinho, longe de todos os filhos, da ex esposa e dos demais membros da família que passou a não se importar mais com ele, pelo seu temperamento difícil.

Fica viúva dona Zilma e órfãos os filhos, que venderam a propriedade para o primeiro candidato que apareceu sem nunca terem ido, uma vez sequer, até lá. Nem mesmo para conhecer.