ZÉ DAS GALINHAS
O José, filho mais velho de uma família de agricultores que habitavam uma propriedade chamada de São Pedro, bem no interior de Minas, próximo ao Estado do Rio de Janeiro. Um dos filhos mais velhos, de uma numerosa família. Todos solteiros e dependentes da mãe e dos irmãos mais velhos que trabalhavam e administravam a propriedade.
São Pedro havia sido comprada há pouco tempo, quando morreu o chefe da família, pai de José, sua mãe foi obrigada a fazer o inventário que durou cerca de 3 anos. A propriedade antiga, localizada no Estado do Rio de Janeiro era composta de 2 fazendas grandes e bem cuidadas, com muitas cabeças de gado, produzindo muito café que era transportado e vendido na cidade de Rio Claro RJ.
Com a morte do pai, sua mãe teve que desfazer de uma parte da propriedade, assim como de algumas cabeças de gado para custear o inventário. Ainda assim sobrou a maior parte que foi fracionada, cabendo a cada um dos filhos uma fatia e a metade era, por lei, propriedade dela.
Com o desenrolar dos fatos, sua mãe, já sem esperança e muito chateada com os acontecimentos, já não conseguia olhar para aquelas terras toda dividida e achou melhor com- binar com os filhos a venda conjunta da fazenda cujo pro- duto dividiu proporcionalmente, recebendo, cada um a sua parte. Assim findou o primeiro capítulo da vida do José, que como nada sabia fazer na vida a não ser administrar as fazendas especialidade herdada de seu pai ao qual acompanhava para todo canto. Resolveu seguir a mãe, assim como outros irmãos para a localidade de São Pedro onde haviam adquiri- do uma propriedade bem menor com quase 30 alqueires de terras férteis distribuídos de uma forma, topograficamente favorável a todo tipo de cultura, tanto o arroz, quanto o café, além de cana de açúcar frutas e outras pequenas culturas.
A propriedade já continha um engenho onde os antigos proprietários fabricavam rapaduras que utilizavam no dia a dia e vendiam o excedente.
A vargem, ou brejo, onde plantavam o arroz, José logo tratou de dividir em fatias e entregar a responsabilidade a meeiros da região. Eles eram responsáveis pelo plantio e colheita, destinando metade do seu produto à família e a outra parte levavam como resultado do seu trabalho.
Além do arroz, que dava para a família um bom lucro, José explorava uma pequena lavoura de café deixando uma parte na encosta, para o plantio do milho e do feijão, lavoura de subsistência. Não se vendia nada daí.
Plantava, também a cana de açúcar que uma vez por ano era cortada e moída em engenho puxado a cavalo a qual se transformava em rapaduras.
Além dessas culturas, havia uma criação de bovinos e de suínos que completavam a subsistência da família e ainda vendiam o que sobrava, na cidade.
José sempre gostou de criar galinhas, tinha construído um galinheiro enorme muito bem feito onde os galináceos
tinham de tudo, até um canal do riacho havia sido desviado passando dentro do galinheiro, onde formava um pequeno lago, paraíso dos patos que cresciam juntos com as galinhas.
Muitos anos durou essa rotina. Contudo, dois irmãos mais velhos não acompanharam a família na mudança para São Pedro. Um deles, o chamado João, casou-se e foi ad- ministrar fazendas de outros proprietários em terras distantes. O segundo irmão, Antônio, foi para a cidade e empregou-se em uma grande indústria com um bom salário e também casou-se.
No passar dos anos alguns irmãos de José também se casaram e deixaram a família que diminuía a cada ano. Mas José estava lá, firme, sempre dando conta do seu trabalho, tirando da terra o sustento da família. Nunca pensou em se casar. Também não tinha tempo para namorar, no fim de cada jornada de trabalho, estava cansado a ponto de lavar os pés e cair na cama, para levantar na madrugada do dia seguinte e começar tudo outra vez.
José se sentia realizado, a fazenda progrediu, dava um bom resultado, o rebanho cresceu tanto que foi obrigado a arrendar pasto dos vizinhos. Não havia nenhum motivo para se preocupar com o futuro.
Mas certo dia aparece seu irmão mais velho, para visitar a família. Há anos que não se tinha notícias dele.
Foi chegando, o João, “bença” mãe, e não deu nem bom dia para os irmãos.
Deu umas voltas lá por fora, observou a lavoura, o rebanho e chamou a velha para conversar a sós.
– Ô mãe, a senhora já está muita velha para tocar tudo isso aqui, chegou a hora de descansar em uma cidade, perto do conforto, com luz elétrica e sem sacrifício de levantar de madrugada para o batente. A Senhora tem que largar tudo isso aqui e ir descansar.
• Mas como meu filho? Não posso vender isso aqui e deixar os rapazes sem trabalho. O Zé que construiu tudo isso aqui, com a ajuda dos dois irmãos menores. Isso aqui não era nada, você se lembra bem.
• Eu sei, mãe, mas está mais que na hora da senhora descansar. Não precisa vender as terras, basta arrendá-la e viver da renda. O dinheiro dá para todo mundo viver bem na cidade.
Tanto falou no ouvido da velha que conseguiu que esta concordasse com a sua ideia.
José e os outros dois foram chamados e comunicados da decisão. O mais novo achou um absurdo, o segundo, concordou, mas José não disse uma palavra. Limitou-se a sair, isolar- se em um canto da roça e por lá ficou um tempão, sem vir em casa. Depois de alguns dias apareceu, deixou seus afazeres na fazenda, arreou seu cavalo e rumou para a cidade nada comunicando a ninguém.
Enquanto isso o João tratava de acertar com a mãe a forma de arrendar a fazenda e fazer a mudança para a cidade. Já tinha tudo planejado, até a casa na cidade já havia arranjado. Tratou de ficar com a fazenda em arrendamento e mensalmente destinaria uma quantia para sua mãe, além de lhe enviar algum produto da roça para ela viver na cidade.
Enquanto José bebia nos bares da cidade e dormia nas calçadas das ruas, seu cavalo abandonado ficou.
José não havia gasto seu dinheiro da herança. Depositara-o em um banco e rendia juros. Certo dia resolveu que pararia com a bebedeira e mudaria de vida. Foi o que fez. Combinou com um comerciante do Rio de Janeiro, ao qual forneceria galinhas para serem vendidas na capital. Assim alugou uma casa, foi na roça, juntou sua criação de galinhas e as trouxe para a cidade. Tudo sem dizer uma palavra a ninguém.
Começou a comercializar galinhas e frangos, tanto para o comércio local quanto na capital do Rio de Janeiro. Com isso chegou a progredir, mas não conseguiu esquecer o que se passou na fazenda, tanto trabalho e dedicação para no final dar tudo de mão beijada para quem nunca quis fazer nada.
Quanto mais pensava no assunto, mais mágoa guardava, até que voltou a beber sem parar. Da bebida, descuidou-se dos negócios e foi perdendo tudo. Ficou como mendigo jogado pelas ruas da cidade, até que foi resgatado pela sua mãe e uma das irmãs que o levaram para casa e começaram a cuidar dele.
José chegou a melhorar por uns tempos, mas em uma pescaria com alguns amigos, bebeu muito e já voltava para casa, quando a Kombi que os transportava caiu em uma ribanceira e pegou fogo. José, muito bêbado não conseguiu sair de dentro da Kombi e morreu carbonizado.
O seu irmão João, agora fazendeiro, tratou de dar um jeito de dar o golpe na velha e nos outros Irmãos. Convenceu-a a vender a propriedade e comprar a casa onde morava. Era mais seguro ter uma propriedade na cidade e arranjou com o escrivão um jeito de fazer a mãe assinar a escritura passando para outra pessoa a propriedade, recebendo uma quantia, bem menor que o valor das terras, o que praticamente só dava para comprar a velha casa. O restante foi trocado em um sítio, menor, mais próximo da cidade que ficou de graça para o filho espertalhão. Assim ficou a velha sem nada aos cuidados dos outros filhos e o Sr. João de arrendante a proprietário, prosperou, enquanto sua mãe morria aos 90 anos, pobre e dona de uma casa que desapareceu nos papéis do cartório, assim como as suas terras. Ninguém até hoje descobriu o que de fato aconteceu. Quem comprou, quem vendeu, nem procuraram saber, pois os outros filhos, além de não precisarem, não queriam brigar pelas migalhas que sobrou.