A BODEGA DO MEU PAI!
Abri a larga porta da frente da minha casa e, de repente, me vi na antiga bodega do meu pai, que ficava na entrada do cômodo que dava acesso, também, à pequena tipografia, a principal atividade comercial exercida pela família. O pequeno espaço era dividido por uma velha mesa de madeira escura, muito desgastada pela ação do tempo, dispondo de uma única gaveta, onde eram colocados o apurado do dia, a caderneta dos fiados e uma caneta de tinta azul. Sobre esse móvel, a velha balança de dois pratos e diversos pesos de ferro, a partir de 100 gramas até 5 quilos, e um improvisado equipamento de madeira maciça, para ajudar no corte, em até quatro pedaços, da rapadura que vinha em velhos caminhões da Serra Grande, em surrão de palha, contendo cem unidades. De cara, deparei-me com o meu pai, sentado na antiga cadeira de madeira e assento de couro cru, bem vestido numa camisa branca de mangas compridas e uma gravata listrada, azul, no aguardo dos fregueses, alguns da bodega e outros da tipografia, que se misturavam num agradável e animado bate-papo, ouvindo-se o som de sua tradicional gargalhada. Perto da mesa, um saco de arroz do Maranhão, que tinha de ser bem catado e lavado, antes de ir para o fogo. O feijão-de-corda, da sua própria lavra, farinha de mandioca e também a saborosa farinha dágua, açúcar, café em caroço da serra de Baturité, todos esses produtos acondicionados em sacos de pano para venda no peso e em medidas próprias da época. Ainda no chão, ficava um latão do querosene jacaré, para abastecer as lamparinas dos fregueses, conforme as posses de cada um, vendido em litro, garrafa ou na terça, medida feita de flandre, numa humilde oficina de um vizinho e amigo da família. Enternecida, adiante vejo as antigas, grotescas e empoeiradas prateleiras, fincadas nas rudes paredes, todas abastecidas com pequenas variedades de mercadorias. Meu olhar dirigia-se para a prateleira da direita, e lá estavam meia dúzia de latas amarelas do óleo Pajeú, alguns pacotes de macarrão fortaleza, manteiga da terra, sal, alho, pimenta e vinagre. Do outro lado, na prateleira da esquerda, outros produtos bem procurados, tais como sabão rajado e caboclo, vendido por barra ou em meia barra, um latão de brilhantina Flor do Vale, comercializada em retalho e, encostado na parede, um saco de amendoim com casca. Na tábua do meio da prateleira, carteiras de cigarros das marcas Continental, Hollywood, Arizona e Globo, também vendidos em retalho e alguns maços de fósforos marca Olho, normalmente adquiridos em caixa. Dependurado na prateleira um rolo de fumo para venda em pequenos pedaços, cortado na guilhotina, instalada em um cepo de madeira consistente, aparelho conhecido como macaco, Além do fumo, era vendida a papelina para o feitio de cigarro artesanal. Na bodega, também vendiam-se velas, pavios de algodão e lamparinas de vários tamanhos. Numa pequena mesa, bananas casca verde e um cesto de palha com pães do dia, entregues pelo padeiro cinco e meia da manhã. Em um local mais alto da prateleira estavam as cobiçadas garrafas das cachaças da marca Sobe na Rampa e Chora na Rampa, ambas fabricadas numa pequena cidade do estado de Pernambuco, estampadas com rótulos de um trem subindo a rampa. A cachaça era vendida em garrafa ou em pequenos tragos, medidos num copo de vidro apropriado. Revirei tintim por tintim cada canto daquela bodega, tão simples, tão humilde, mas tão cheia de histórias, ali contadas e vividas, recheadas de sentimentos. Nessa viagem no túnel do tempo, deu para eu sentir no coração e na minha alma a energia, o carinho, o aconchego e o amor do meu pai por sua rústica e querida bodega, seu passatempo preferido, seu encontro de amigos e sua companheira inseparável por longas datas da sua gloriosa existência.