A Sua Ratinha

05.09.23

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Ganhou de um amigo um jogo de facas modernas com lâminas em cerâmica branca. Usou-as logo de início por ser novidade. Mas depois, com o vício e frequência no dia a dia da cozinha, as substituiu pelas costumeiras. Tempo passou e sobraram somente duas, pois perdeu as outras nas inúmeras mudanças de casa que fez até então.

As remanescentes, uma grande para corte de carnes; a outra, pequena para legumes e frutas. Esta tinha a ponta proeminente e fina, até que a esposa a usou para apertar um parafuso e quebrou, ficando reta. Ficou boa para descascar laranjas, como os canivetes caipiras da sua meninice.

Sua mulher negou que quebrou a ponta da faquinha, e que talvez a moça da faxina a usou. Ele sabia que foi ela. Conhecia-a muito bem. É “furba” como dizem os italianos, ou muito esperta.

Pediu para que não a usasse mais, pois agora era a predileta para descascar laranjas, que chupavam todos os dias no meio da manhã ou da tarde, sentados em banco de madeira na garagem da casa, distraindo-se com os pássaros que vinham comer a ração que ele colocava sobre o muro.

A faca ficava em um pote na cozinha com outros utensílios, “o seu lugar” dizia ela . Às vezes, depois de usá-la , ele a deixava em outro porta-talher em cima da mesa de jantar . Fora do “seu lugar”.

Em uma tarde, com as laranjas, foi até a sala de jantar pegar a faquinha que viu no pote naquela manhã. Não estava! Procurou-a no da cozinha e nada. Ela pegou! – deduziu. Usou outra para descascá-las e chupá-las. Ela tinha saído de casa e a esperou voltar. Chegou e perguntou:

-Você viu a faquinha de cortar as laranjas? Estava aqui no pote da sala de jantar ontem e hoje não.

-Ela deve estar no da cozinha, que é o seu lugar.

-Não esta também! Procurei por todos os lugares e nada. Você pegou?

-Não! Pode ser que a moça da faxina tenha usado – respondendo não muito convicta. A moça da faxina? Está sendo “furba” novamente , pensou.

No dia seguinte, para a surpresa dele, viu a faca no porta-talher da mesa de jantar.

-Apareceu do além a faquinha? – falou jocosamente para a esposa tomando uma xícara de café no desjejum matinal. Ela, surpresa pela observação e começando a rir, respondeu:

-Foi um ratinho que pegou e levou para o mezanino a sua faquinha.

-Ratinha de duas patas, olhos azuis e cabelos loiros, certo? – brincou ele.

-Sim, a sua ratinha.