Além do olhar

No pátio de uma escola para cegos, duas crianças, Maria e João, sentaram-se em um banco, aproveitando a suave brisa da tarde. Eles compartilhavam uma amizade especial, forjada pela escuridão que ambos conheceram desde o nascimento.

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Maria quebrou o silêncio com um sorriso em sua voz: "João, você já se perguntou como seriam as cores? Como seria a cor do seu cabelo?”

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João considerou a pergunta por um momento e respondeu com uma risada tímida: "Sim, às vezes penso nisso, mas é difícil imaginar algo que nunca vi."

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Maria inclinou a cabeça, os olhos cegos fixos no horizonte invisível. "Eu gosto de pensar que meu cabelo é da cor do pôr do sol, dourado e suave. E meus olhos... ah, eles seriam como duas pérolas brilhantes."

João sorriu, mesmo que ela não pudesse ver. "Deve ser lindo. Mas você nunca sentiu vontade de ver de verdade? De saber como são as pessoas, as flores, saber como é o mundo?"

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Maria balançou a cabeça gentilmente. "Claro que sim. Às vezes, fecho os olhos com força e tento imaginar como seria a luz do sol tocando meu rosto, as folhas das árvores dançando no vento. Mas também aprendi a ver o mundo de outras maneiras, com os sons, as texturas, os cheiros."

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João concordou, entendendo. "É verdade, nossos outros sentidos se tornaram mais fortes, não é? Às vezes, consigo sentir o sol aquecendo minha pele, ouço o vento sussurrando segredos e reconheço as pessoas pelo som de suas vozes."

Maria riu suavemente. "Você sempre sabe quando é a hora do recreio só pelo barulho animado ao redor."

João riu com ela. "Sim, é como uma orquestra de risadas e passos apressados."

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Curioso, João mudou a direção da conversa. "E você, como acha que eu sou? Como eu pareço?"

Maria sorriu, mesmo que ele não pudesse vê-la. "Eu imagino você com cabelos escuros, como a noite profunda. E seus olhos... eles seriam como estrelas brilhando no céu noturno, cheios de mistério e curiosidade."

Os dois amigos continuaram a conversa, explorando as possibilidades de um mundo que só podiam perceber de maneiras únicas. Eles compartilharam sonhos e pensamentos, imaginando cores, formas e cenários que apenas suas mentes podiam pintar.

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Enquanto o sol se punha lentamente, cobrindo o pátio com tons de laranja e rosa, Maria e João perceberam que a escuridão que os envolvia não limitava sua capacidade de enxergar a beleza do mundo. Eles entendiam que, mesmo sem a visão convencional, podiam criar paisagens luzentes e vínculos profundos, tornando o invisível visível através de seus corações e palavras. Assim, naquele pátio de sonhos e imaginação, a amizade deles florescia, mostrando que a verdadeira visão vai além do olhar.

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MMXXIII