É hora do show

— Certo. Te espero na porta do teatro.

Ana viajou para assistirmos juntas este show. Nem falei com Paulo que viria. Queria muito este momento só com minha amiga. Tanto tempo que não nos vemos. Sou a primeira a chegar e terei que esperar na porta do teatro.

Tenho mania de pontualidade. Chego cedo nos encontros ou compromissos. Imagino que o trânsito estará ruim, que vai haver algum carro estragado no meu caminho, que perderemos a mesa reservada, que a consulta pode ser antecipada. Ao contrário da maioria das pessoas, eu sempre tenho uma desculpa para chegar mais cedo. Sempre estou esperando alguém. Eu sou a escolhida para segurar a reserva da mesa, guardar os melhores lugares.

Chego no teatro. Espero na porta. Olho as pessoas que passam. Distraio olhando as roupas, as companhias e inventando histórias. Um velhinho de andador passa com muita dificuldade. Ao seu redor quatro pessoas. Uma mais velha e as outras jovens. A esposa e as netas o trouxeram para ver o show do seu ídolo. Talvez não saia de casa há muito tempo. Está feliz recebendo amor e atenção.

Passa uma turma de jovens. Estranho. O show é de um cantor de Bossa Nova. Quando esse cantor fez mais sucesso estes jovens nem haviam nascido. Evidência de que a Bossa Nova é eterna, agrada todas as gerações.

Mais à frente uma mulher jovem com três crianças. Vende balas. Certamente as leva para trabalhar porque não tem com quem deixar. Estas crianças deveriam estar em casa no quentinho. Vou até ela. Compro umas balas e distribuo entre as três. As mãozinhas ficam cheias de balas e chocolates. Elas me agradecem com um sorrisão de criança feliz e sentam no meio fio para comer as guloseimas.

Volto para o meu posto de espera. Casais se encontram, se beijam e seguem felizes. Ana passa uma mensagem. Deu pane no aplicativo do motorista do Uber. Ela não sabe mostrar ao motorista o caminho do teatro. Vai descer e pegar outro carro. Mais atraso. A fila está enorme. Digito que estarei na fila esperando.

Entro na fila, ouço uma freada brusca e muitos gritos. Corro para ver. A mulher vendedora de balas está ajoelhada na rua olhando um ser deitado no chão. Do lado deles muito sangue. Reconheço uma das suas crianças com a cabeça esmagada por um carro. Não tem como ter sobrevivido. A mulher chora e as crianças estão sentadas ao seu lado. Ouço o som de uma sirene bem longe. O barulho se aproxima. Vou até perto das crianças. Quero falar algo. Ouço alguém gritando meu nome. É Ana. Vou até ela, nos abraçamos rindo muito e vamos para a fila de entrada do show. Lembro de ouvir o som da ambulância mais forte. As pessoas se dispersam. Eu e Ana entramos no teatro. Conversaremos mais tarde. Agora é hora do show.

Márcia Cris Almeida

29/08/2023