Dias de Agosto
Acordara as cinco da manhã como de costume e, antes de se levantar fora posto diante da angústia das possibilidades sobre o viver e caminhos a desenrolar, era engolido por sua mente. Menos esperançoso que ontem e engatilhado por diversas questões psicológicas diante da materialidade histórico de seu tempo, questionava a existência. “Hoje...” a nebuloso do pensamento cintilava em outra galáxia... “por um mínimo, me poria diante de uma loucura num bailado frenético sem medir consequências, encararia o abismo olhando fixamente para a escuridão do gargalo e provocá-lo-ia sem temor ou tremor. A loucura as vezes é tão apaixonante!” Junto a toda a angústia, carregava dentro de si uma vontade indivisível em viver e lutar. Tinha também uma sede desesperada de que o contrário fosse uma opção. E sua opção! A vida não lhe foi uma opção, a morte, pelo contrário, seria uma opção possível, se assim o desejasse.
Não entendia deus como outros o entendia. Nunca o entendera nessa perspectiva platônica do ideal. Chamava-lhe mais a atenção as ideias pré-socrática de que o ser se move na e com a natureza. Aquela ideia do símbolo cabala em que dois triângulos formam uma estrela de seis pontas, onde um triângulo indica o ser e o outro a existência sempre o chamava mais atenção que a ideia mítica salomônica. “É tão mais bonito olhar para a alienação da apropriação de Salomão de um símbolo cabala como ser e existência”, ponderava consigo sobre a solução dada pela religiosidade, “responde mais aos conflitos da materialidade histórica a ideia metafísica de um povo entre tantos que lutam no mundo possua o predicado da salvação em detrimento à todos outros”. Se a estrutura do sagrado é conceber a mítica deum deus de justiça, havia uma falha na própria concepção de justiça nessa visão.
Embora cansado, tentava manter a rotina sem o compasso adequado do ritmo exigido pelas tarefas do dia. Levantara a contra gosto e seguia... Acordara com uma saudade imensa! Saudades essa que vagava à deriva no vácuo do peito. Seus desejos levaram os pensamentos, “porra! preciso daquele ser de preguiça... quando estou com ela sou mais potência com o viver e sincero comigo mesmo”. A verdade é que a Bahia a levara, não por culpa dela ou da terra, mas pelas responsabilidades do viver, que pra uns, tem o peso gravitacional de Júpiter, enquanto para outros é um bailado na Lua. Apesar das desigualdades estridentes constituídas pelos privilégios históricos da exploração sistemática do poder econômico, havia dentro de si um saber, dar conta do mundo é morrer e florescer todo o dia. “Então, que floreçamos feito um poema!”
A memória trouxera sensações tão boas que o vácuo no peito foi sendo preenchido por certa energia que fortalecia a crença de que a amava. Para além de amar começou a recriar os dias de agosto. Dias em que ela disse... “te amo!”. Sim, para além de amar dizia... “gosto de estar com você!”. Ele amava as trocas possíveis e impossíveis, amava as conversas sérias e bestas, amava o jeito dela rir e, sem dúvidas, de como ela gozava quando a tocava. Os gemidos contidos e intensos e o descontrole do corpo, a raiva quando segurava seus braços a impedindo de mexer ao mesmo tempo em que desejava ser presa. “Linda, linda, linda...”, as memórias gritavam, “ um poema de Candeia na doçura do canto de Clara Nunes.” Adorava seu cheiro naquela camisa que usara e deixara pendurada no cabide, “...hummm, aquele perfume!”. Adorava o modo como ela deitava sobre seu peito após o gozo. Adorava abraça-la pela cintura, dizia que essa parte do corpo era feita para o abraço, para os seus abraços. Contudo, ela sempre deixava claro, o que a encantava era aquele jeito empolgante com que falava sobre as coisas que sabia e sobre a possibilidade de mudar o mundo... Como um rap do Face da Morte, ácido e apaixonante.
Os dias de agosto se foram mas deixaram a boca o sabor amargo de IPA’s e Stouts levemente adocicada pelos beijos. Deixaram o aconchego quente dos teatros e cinemas, de Camus e Marias, de roupas rosas e bombas atômicas. De caminhadas aquecidas por olhares atentos na cidade fria de São Paulo. De festejos com amigos e risadas de boca aberta, aquela risada que se solta a alma embriagada do córtex nú. Das coisas simples que se cristalizam.
Os dias de agosto se foram mas deixaram seu peso na memória...