VIDA DE MERCADO

Dona Nezia, ou Nezinha, era uma menina experta que ajudava a mãe na casa e tinha muito jeito para vendas. Às vezes com as pedrinhas e rebotalhos da construção ao lado de sua casa fazia enfeites que ficavam bonitinhos e colocava numa mesinha na calçada, e, ficava brincando de loja e acabava ganhando alguns trocados com seu trabalho feito com tanto esmero.

Seu pai era dono de um box no mercado que vendia produtos em grãos a granel, tais como, variados tipos de feijão, arroz e farinha, a mais fina e delicada do mercado, que só encontrava ali. Tinha também alguns produtos de limpeza e higiene nas prateleiras, como num mini mercado. Nezinha ajudava o pai e conseguia angariar mais fregueses.

Quando tinha 15 anos, seu pai faleceu e Nezinha acabou assumindo de vez o box do pai. A mãe que tinha problemas de saúde, mal ia no mercado e ficava em casa cuidando dos irmãos. Com o tempo os irmãos casaram, ficando Nezinha e a mãe, hoje falecida.

A vida de Nezinha se resume em ir cedo para o mercado levando seu almoço e passa o dia ali, e as 17 horas retorna para casa. Ela gosta de ler romances e leva sempre na bolsa um livro para ler nos momentos em que não aparece comprador.

Para incentivar a leitura do pessoal do mercado colocou uma prateleira para receber e doar livros usados. Com isso tem tornado crescente o número de pessoas que passaram a gostar de ler vindo buscar livros e trocar conversa com ela.

Nezinha gosta de ler romances e vibra com os amores encontrados nas histórias, mas nunca cedeu ao assédio dos rapazes que se aproximaram dela.

Teve um, o Horácio, que todos os dias passava para dar bom dia e puxar conversa, mas Nezinha não estava nem aí. Às vezes perguntava se ele gostava de ler, mas ele, desconversava e a conversa não fluía. Foram anos tentando aproximação, mas nada, até que um dia ele arranjou outra moça e casou.

O outro que nunca desistiu foi o Seu Neco, e ainda dizia, “ela há de ser minha”. Seu Neco nunca casou, mas tinha várias mulheres atrás dele, mas ele dizia que só casaria com Nezinha, talvez por saber que nunca se casaria com ninguém. Hoje ele esta doente e mora num asilo.

Ela conheceu e conhece gente de todo jeito e caráter naquele mercado: jovens perdidos, mulheres traídas e abandonadas, casais felizes, madames exigentes e elegantes, pessoas debochadas e invejosas, briga por centavos, gente com fome e desprezada, pessoas batalhadoras, e, também pessoas boas e dispostas a ajudar, assim como ela.

Todas as vendas que ela faz separa 100gr para dar para as pessoas carentes que ficam em torno do mercado, e todos os dias faz sua doação. Sempre muito querida e respeitada.

E assim Nezinha vai levando a vida dela: lendo, vendendo, ajudando.

Fugiu dos padrões das moças que são “obrigadas a casar e constituir família”, para não ser chamada de solteirona ou moça-velha. Sentada na sua cadeira de balanço no seu box, com seus cabelos brancos, lendo e vendo o tempo e as pessoas passarem, e ainda oferecendo leitura e a melhor farinha do mercado.

Ana Amelia Guimarães
Enviado por Ana Amelia Guimarães em 20/08/2023
Código do texto: T7865960
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