Caipira do Asfalto
19.08.23
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Abriu a geladeira procurando algo para matar a sede. Viu, em um saco plástico na gaveta das frutas, mexericas alaranjadas e frescas que sua mulher comprou na feira naquela manhã. Estavam apetitosas.
Sôfrego, pegou uma e começou descascá-la. Nem bem terminou de abrir a fruta, colocou dois gomos na boca esperando aliviar a secura. O gosto que sentiu foi amarguíssimo e ácido, cuspindo-os imediatamente. Era um limão rosa.
Este fato reavivou a memória de adolescente passando férias em fazenda no interior do estado. Lembrou-se da cena:
Cavalgava pelo pasto com o capataz da propriedade e seu filho, quando viu uma árvore baixa coalhada de frutos alaranjados e cheirosos. Foi em sua direção. Pai e filho nada disseram, acompanharam-no quietos, mas com feições maliciosas, esperando o que aconteceria.
Ele desceu do cavalo e disse:
-Mexericas! – pegando uma enorme e tirando a casca com as mãos. O perfume se espalhou, e ávido em comê-la, colocou-a inteira na boca.
Foi um choque instantâneo de amargor e acidez na língua, céu da boca e garganta. Pai e filho riam a rodo da cena, pois ele imediatamente cuspiu toda ela , pigarreando muito e mostrando seu desconforto com as caretas hilárias que fazia. Aceitou a brincadeira e pediu água a eles, sorrindo também. O capataz disse-lhe:
-Não conhece limão rosa? Aqui é comum encontrar no pasto e parece mexerica. Engana mesmo – falando com um enorme sorriso no rosto! Seu filho chorava de rir com a “pegadinha” que fizeram com ele.
Mantendo o bom humor, disse montando no cavalo:
-Caipira do asfalto dá nisso – fazendo-os rir mais ainda, com ele junto.
Voltando ao presente, com o mesmo gosto amargo na boca e um leve sorriso nos lábios, pensou revivendo o que aconteceu na cavalgada :
-Fui pego novamente pelo limão rosa.