Sobre passar cafés e o tempo...
Certa vez, um vendedor abordou um senhor que aparentava seus lúcidos oitenta e poucos anos:
- Boa tarde, senhor! Gosta de café?!
- Claro! Quem não gosta, né meu filho!?
- Ah! Todos nós, com certeza!
- Minha senhora sempre faz um ótimo café para mim.
- Que coisa boa! E como ela prepara o seu café?
- Passa no coador de pano... fiz até um apoio de arame para segurar o coador para ela...
- Bem, então! Deixa eu te apresentar uma coisa que vai revolucionar a cozinha de vocês. A cafeteira digital Smart Morning Plus Wi-fi! Com essa bela máquina a sua senhora não vai precisar se preocupar com coador de pano, com suporte, com nada! Esquece! Essa cafeteira faz tudo! Ela até mói os grãos se o senhor quiser. O senhor programa a hora em que deseja o seu café pronto e ela faz! E pode até deixar ela preparada, põe o café aqui em cima e a água aqui nesse compartimento, e o senhor aciona ela pelo aplicativo do smartphone, pode fazer isso da rua, e quando chegar em casa o café estará pronto e quentinho esperando vocês!
- Humm... obrigado meu jovem, mas prefiro o café da minha senhora. Ela nem gosta dessas cafeteiras. E nós temos um bom e velho moedor de café de ferro... tem até um...
- Ah! Desculpe senhor, mas o senhor já experimentou o cafezinho da nossa cafeteira?! Especialistas deram notas excelentes para o nosso café. É da melhor qualidade! E eles dizem que o café do coador de pano não tem tanta qualidade, parece que deixa aquele gostinho de cafés antigos, passados anteriormente.
- Olha rapaz! Esses especialistas não sabem nada, podem até entender do café deles e dessa máquina aí... eu entendo do meu! Isso de gosto de café antigo é frescura deles. E você quer me convencer a tomar um café com gosto de plástico, de eletrônico, de digital, de internet, de não sei o que?! Pois saiba que o melhor do café coado no pano é justamente o sabor, o cheiro e a lembrança dos cafés passados!... E passar bem!
Enquanto o senhor ia embora com seus passos lentos mas firmes, o vendedor enxergou nele a figura de seu próprio avô e pensou, quase em voz alta: “saudades dos meus avós! Acordar na casa deles, com aquele cheirinho de café. Eu acordava cedo, com a vontade de brincar com os primos, e a vó passava o café no coador de pano também..." E o seu pensamento voou para aquelas manhãs, em que a luz do Sol logo cedo atravessava os vidros da janela da cozinha e iluminava de amarelo todo o ambiente... fazia brilhar a água que caia, o café que saia do coador, o bule tão bem areado e a fumaça que subia serpenteando o ar e os cabelos brancos da avó. Aquela fumaça parecia dominar todo o ambiente com uma aura mágica quase encantada... "e o cheirinho do café... hummmm... mas preciso vender meu peixe agora."
- Boa tarde, senhor! Gosta de café?!