O Mundo De Ruth
Sentada num banco da praça, Ruth pensava em sua vida. Em trinta e seis anos era a primeira vez que ela se sentava sozinha ali. Seu olhar vagava sem nada enxergar. As pessoas passavam e ela nem notava.
Acabara de sair de sua sessão de terapia. A última, pelo menos põe enquanto. Depois de sete anos ininterruptos de sessões semanais ela se sentia bem como nunca se sentira.
Pensava no tempo perdido em tantos medos, repressão, recalques, traumas, mágoas, culpas, remorsos e raivas.
Desde muito pequena aprendeu a se manter calada, não reclamar, não demonstrar sentimentos, não se abrir nem falar do que lhe afligia ou doía fundo na alma.
Pela vida afora ela podia estar morrendo por dentro, mas ninguém notava.
Não tinha nenhum parente ou amigo com quem falasse de seus sentimentos e dores.
Digeria tudo sozinha e quando era muito indigesto ela chorava sozinha e guardava tudo em um cantinho de sua alma.
E então viajava para seu mundo de fantasias. Em seu mundo tudo era perfeito. Todas as pessoas eram boas e ela era uma mulher perfeita e amada por todos.
Quando criança em suas fantasias ela era a mais linda e inteligente das meninas, era muito amada e tinha muitos amigos que a elogiavam.
Quando adolescente se apaixonou pela primeira vez. E se decepcionou. Uma dor tão intensa que teve que fugir para seu mundo onde foi amada e mimada pelo seu eleito.
E assim seguiu sua vida. Tinha que ser perfeita para ser amada. Tinha que ser sempre a melhor na escola e no trabalho. Tinha que ser a amiga, a filha a colega de trabalho perfeita, compreensiva e boazinha para que gostassem dela.
Mas nunca ninguém era perfeito e bonzinho com ela. E ela chorava escondido e pensava no que podia fazer por si mesma.
Ela se apaixonava, mas nunca dava certo. Ela se convencia que não era a pessoa que merecia e que um dia chegaria o amor que fantasiava.
Então viajava para seu mundo onde sempre tinha um amor perfeito, colegas e amigos perfeitos. Ali era amada e perfeita. Ali era feliz, convivia, era admirada por todos.
Na maior parte do tempo ela estava no seu mundo e assim conseguia suportar as dores e maldades do mundo.
Todas essas dores acabaram por se manifestar em seu corpo e sofria com dores de cabeça, com dores no estômago e começou a sofrer com a ansiedade.
Os médicos diziam que ela precisava de um psiquiatra e ela relutava.
Alguns falavam em psicólogo e ela tinha medo do que podia descobrir.
Depois de uma crise de ansiedade onde parecia que ia morrer de falta de ar e que seu coração ia parar ela resolveu fazer algo por si mesma.
Aos vinte nove anos ela era solitária e apesar de ser uma mulher linda, atraente, inteligente e interessante, nunca encontrava um amor para chamar de seu. Tinha poucos amigos e não conseguia se relacionar muito bem com as pessoas.
Sendo uma mulher madura, ainda vivia no mundo de fantasias. E esse mundo era perfeito, tão perfeito que ela nem queria voltar à realidade.
E lá foi ela tentar se sentir melhor. Procurou um psicólogo. Começou seu tratamento. Um psiquiatra a medicava para se manter longe da ansiedade.
Ela começou a perceber coisas que nunca imaginou e chorava rios de lágrimas em suas sessões de terapia.
Quando a dor se tornava insuportável ela voltava para seu mundo perfeito.
O tempo ia passando e ela se sentia cada vez melhor e fortalecida.
Sentia-se capaz de administrar sua vida de forma mais adequada.
Sentia-se capaz de dizer não e deixou de aceitar ser manipulada.
A cada vitória ela se amava um pouco mais.
Começou a olhar o mundo de uma forma mais amorosa. Cismou que um dia iria viver na realidade o que vivia em seu mundo de fantasias. Sabia que a perfeição não existe, mas queria uma realidade feliz.
Cada dia tinha menos crises de ansiedade e se sentia bem por conseguir ir vencendo os medos, os traumas e por conseguir deixar de se fazer de vítima.
E os anos passaram. Sete desde que começou sua terapia.
Sentada naquele banco de praça ela sorria. Estava livre dos traumas, dos medos, do psiquiatra e do psicólogo.
Sentiu que ali começava sua vida. Na verdade, pouco importava todos os anos que perdeu presa em si mesma e aos medos. Presa ao seu mundo.
A vida seria dali pra frente. Estava pronta para começar a viver.
Ninguém mais diria a ela o que tinha que fazer.
Ninguém mais abusaria dela de nenhuma maneira.
Se quisesse sonhar, sonharia, se quisesse passar algumas horas em seu mundo, passaria.
Estava pronta pra viver, amar, conviver plenamente com quem quer que fosse.
Se o amor chegasse, estava pronta pra se entregar a ele. E ela sabia, sentia uma intuição que ainda viveria um grande amor…