O velho casarão
A chuva fina insistia em "banhar" as paredes e janelas do velho casarão. Na varanda do primeiro andar dois pombos se apoiavam um ao lado do outro para aguentar o frio persistente. A temperatura estava mais baixa do que os dias anteriores. A calçada alagada produzia uma espécie de "espelho" onde via-se apenas vultos que passavam a todo instante. O vai e vem contínuo de pessoas não "enxugava" o piso molhado. A chuva trazida por um vento forte "açoitava" a placa incrustada na entrada principal do velho casarão. Ali a placa homenageava o grande comendador João de Góis. Ele, um português sisudo, instalou-se por volta de 1910 e usou o casarão para inicialmente comercializar grãos e carne para exportação. Durante muito tempo importou o bacalhau norueguês e construiu um império. A maioria dos casarões vizinhos foram adquiridos pelo esperto português. A fachada do velho casarão possuía três janelões e um sótão de onde vislubrava-se todo o comércio da região. Havia dois pavimentos contendo cinco quartos na parte de cima e mais dois na parte de baixo. Uma grande cozinha na parte de trás abrigava uma grande quantidade de produtos. As paredes internas possuíam caros azulejos portugueses. Abaixo dos janelões do casarão neoclássico via-se alguns entalhes e desenhos que remetiam a grandes vultos portugueses. João de Góis trouxe de Portugal um artista que ornamentou toda a construção com imagens e detalhes da arquitetura portuguesa. Um luxo. Mas na década de 1940, o comerciante passou por momentos difíceis. Ele esteve por duas vezes no hospital para tratar de problemas no coração. Naquela época os seus filhos já davam os primeiros passos na condução de suas empresas. O português estava satisfeito com esse interesse dos filhos para com os seus negócios. Ele acreditava que iria deixar o seu império em boas mãos após o seu passamento. Porém o ano de seu falecimento marcou o início do fim de sua fortuna. Os seus filhos tinham pouco apego aos negócios e isso culminou em uma decadência substancial do sólido patrimônio. As viagens de seus filhos ao exterior, compras de carros de luxo, jogos de azar e constantes abalos econômicos provocaram uma grande dívida para a família do português. Após cinco anos da morte de João de Góis ocorreu o leilão do casarão que passou a ser administrado por comerciantes de peixes e de óleo de baleia. Mas devido as dívidas de impostos municipais, o velho casarão foi entregue ao poder público municipal. Por algum tempo a prefeitura usou o prédio comos repartição, depois cadeia pública. Mas depois fechou o casarão. Desde então o antigo prédio serve apenas de moradia para aves e viciados em drogas. Alguns transeuntes até param para ler a placa de bronze instalada na parede frontal. Mas a maioria passa rapidamente ao longo da calçada. A chuva ainda molha persistentemente as velhas paredes. Algumas inclusive com rachaduras que causam um grande temor de desabamento. Aquele início de inverno não deslumbrava nenhum futuro para o velho casarão que outrora foi símbolo de ostentação e modernidade.