1163-O PRESÉPIO

O PRESÉPIO

NATAL NA CASA DE J.S.-

A respeito de Júlio Símaro, meu primeiro patrão e Mestre Espiritual Já escreví diversos contos mas ainda há algumas memórias que quero registrar nesta modesta mini-biografia.

No conto de numero 12 Tótó Miranda é um personagem criado quando lembrei-me da figura de Seu Júlio e a sua grande casa comercial com máquina de beneficiar arroz nos fundos e sua residência no sobradinho sobre a loja. Na praça triangular que era uma área coberta de rala grama, judiada pelo intenso trânsito de pessoas e animais, (hoje denominada Praça dos Expedicionários) a imponente e simpática construção dominava, de frente para o nascente recebendo os primeiros raios do sol ao alvorecer, que entravam pelas quatro largas portas abertas á freguesia a partir das sete da manhã.

A baratinha amarelinha e os passeios que Seu Júlio proporcionava a nós, crianças que estavam sempre rodeando a loja, a maquina de limpar arroz e até sua residência, foi a sensação na cidade pelos idos de 1942.

Outros contos vieram, tratando de meu trabalho nas férias ginasiais: A Vida é Dura Para quem é Mole” (conto #695) e “Um Orientador Profissional” (conto # 1134), este narrando o último dia em que trabalhei como caixeiro na sua loja, já que naquele dia (31 de janeiro de 1951) sai correndo para tomar posse, como contínuo, na agência do Banco de Crédito Real. Na minha memória estão as suas palavras que me mand**aram ir logo á agência , que largasse tudo e deixasse que ele atendia todos os fregueses. Que patrão! Que amigo!

Mas algumas situações e fatos ligados à memória do grande homem desejo aqui, nestas “INFINITAS HISTÓRIAS ” trazer ao conhecimento do prezado leitor e da querida leitora.

O PRESÉPIO

A festa do Natal era devidamente comemorada pelo Seu Júlio e Família. Nem bem começava o mês de dezembro e lá íamos, ele e eu a procura de moitas de bambus nas chácaras e pequenos sítios ao redor da cidade. Obtida a licença para corta alguns galhos, usávamos a machadinha, o facão e uma serra de podar árvores para cortar, com rapidez, quatro ou cinco bambus novos, bem enfolhados, e os arrastávamos até a a casa: serviriam para constituir a cobertura do presépio que seria armado na sala de jantar.

Este corte de bambus e a construção da cobertura era feita numa quarta ou quinta-feira á tarde, quando o movimento da venda era reduzido e Dona Francisquinha dava conta de atender a freguesia.

Tão logo chegávamos com os bambus, eles eram cortados no tamanho adequado e amarrados, na posição vertical, aos pés da mesa sobre a qual o presépio seria construído. As pontas eram amarradas unidas, a uma altura de metro e meio, mais ou menos; os galhos finos entrelaçados e as folhas se tocando, constituíam como que um domo verde sobe a mesa quadrada de dois por dois metros, que era encostada em um canto da grande sala de jantar.

Na noite daquele mesmo dia, Dona Francisquinha, Seu Júlio e eu (que voltava, depois do jantar, para ajudar) começávamos a montar o Presépio. As peças eram conservadas de um ano para o outro, então numa só noite a gene colocava A gruta, a manjedoura de palha, as pequeninas imagens de Jesus, São José, A Virgem Maria, os pastores e os animais, bem como um pedaço de espelho quebrado simulando um lago, uma pequena área já preparada de arroz brotado, bem verdinho, outra de lodo de parede, simulando grama, e pequenos fazos do tamanho de dedais, com pequeninas plantas e minúsculas flores perenes.

As bordas da mesa eram enfeitadas com guirlandas ou enfeites feitos de galhos de trepadeiras. Do centro da borda da fene partia uma estreita faixa de areia branca, que terminava justamente ao pé da manjedoura: era o caminho a ser percorrido pelos Reis Magos, que muita gente chamava de Reis Magros.

Os Reis Magos - Gaspar, Melquior e Baltazar - eram representados por Figuras orientais montados em camelos. Segundo as narrativas lendárias ou mitológicas, Melquior era velho de setenta anos, de cabelos e barbas brancas, tendo partido de Ur, terra dos Caldeus; Gaspar era moço, de vinte anos, robusto e partira de uma distante região montanhosa, perto do Mar Cáspio. E Baltasar era mouro, de barba cerrada e com quarenta anos, partira do Golfo Pérsico. Não se sabe quais os reinos dos quais aqueles reis vieram, mas, enfim, chegaram pelo caminho arenoso (que representava o deserto pelos quais eles viajaram) e lentamente, iriam se aproximar da manjedoura.

O Presépio era montado antes do dia 8 de dezembro, data em que os Reis Magos eram colocados no início do caminho, e três velinhas eram acendidas nas proximidades da manjedoura, simbolizando a Trindade Divina - Deus Pai, Jesus o Filho e o Espírito Santo. A cada dia (isto é, à noite) os Reis Magos se aproximavam da manjedoura. O adiantamento das três peças era feito à noite, por mãos invisíveis, e cada manhã, lá estavam eles, um pouquinho mais à frente, num movimento sincronizado de tal forma que eles chegariam ao seu objetivo na manhã de 25 de Dezembro, o Dia de Natal.

Assim permaneceria o presépio até o dia seis de janeiro, o Dia de Reis. Á meia noite as velinhas eram apagadas, sinal de que aquela devoção estava encerrada. As pessoas mais devotas ou mais realistas desmanchavam o presépio a seguir. Porém, na casa de Seu Júlio, pragmaticamente, o presépio era desfeio no dia seguinte: as peças eram colocadas em caixas, as partes perecíveis, “campos” de lodo e “plantações” de arroz brotado eram descartados, bem como as flores já murchas. Os bambus, um tanto desfolhados, eram desamarrados, quebrados e ensacados para o lixo.

Era uma devoção religiosa e que, ao mesmo tempo, reavivava a lembrança do Natal.

ANTONIO ROQUE GOBBO -

O SENHOR DOS CONTOS

Belo Horizonte, 18 de abril de 2022

Conto # 1.163 da Série

INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 12/08/2023
Código do texto: T7859864
Classificação de conteúdo: seguro