Os Cariocas

10.08.23

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Meu filho mais velho completaria 40 anos no sábado daquela semana que se iniciava. Iria à São Paulo de moto.

Mas, um imprevisto mudou o planejamento da viagem com “La Poderosa”, como chamo minha motocicleta: fui parado em um comando policial indo para o treino de polo aquático no fim da tarde da segunda-feira da semana do aniversário.

Detalhe: não passei a moto para o meu nome quando fiz a troca há dois anos, e todo este tempo andei sem o documento em meu nome. Mas estava com o IPVA e as multas pagas, portando estes comprovantes para uma situação como essa. Coisas de Fernandinho, como diz minha mulher.

O policial queria guinchar a moto. Conversa vai, conversa vem, mostrei os pagamentos em dia do veiculo e veio o oficial que comandava a batida. Inteirou-se dos fatos vendo os documentos e perguntou:

-Quando o senhor vai transferir a moto?

-Amanhã - falei de pronto.

-Liberado! Mas terá que ir ao posto policial mostrar o documento.

-Sim senhor, e obrigado – respondi aliviado!

Dia seguinte, terça-feira, fui fazer a vistoria. O vistoriador, um rapaz, examinou-a detalhadamente, tirou fotos e deu o laudo para a recepcionista. Eu, na sala de espera, avaliava em pensamento que se conseguisse ir naquele mesmo dia ao DETRAN fazer a transferência, na sexta-feira o documento estaria pronto, pelo menos a via digital, podendo viajar com a motocicleta como programado.

-Senhor, por favor – chama-me a atendente.

-Sim?

-Terá que trocar os pneus da moto e voltar aqui para concluir a vistoria – diz ela.

Atônito e inconformado, respondi:

-Está sendo o rapaz muito rigoroso, não?

-Entendo, mas são os procedimentos de segurança que temos que seguir, infelizmente – disse ela.

-Sim, mas trocar os dois?

Ela grita para o moço:

-Qual está pior?

-O dianteiro – respondeu o rapaz exigente!

-O senhor troca o da frente e volta para concluirmos a vistoria. Tem trinta dias para não pagar outra à partir de hoje – concluiu ela, pois paguei antes da avaliação da moto.

Voltei para casa desanimado e xingando a mim mesmo, pois se tivesse feito a transferência na época... Coisas de Fernandinho!

Tinha ainda esperanças de que poderia trocar o pneu, concluir a vistoria e ir ao DETRAN fazer a transferência naquele dia. Ledo engano!

Pesquisei na internet locais em Florianópolis que poderiam trocar o pneu, mas os preços eram muito caros e só fariam o serviço no dia seguinte.

Conformado, decidi então deixar de lado essa questão do pneu e ir de ônibus, pois de avião era inviável também, pelos altos valores das passagens.

Como não consigo dormir em viagens noturnas de ônibus, decidi ir de dia. Sairia para a capital paulista na sexta-feira pela manhã, 9 horas, e chegaria às 22 horas – 13 horas de viagem. Ele faz cinco paradas em cidades no percurso, fora as para almoço e jantar. Voltaria na segunda-feira com a mesma duração. Um sacrifício justificável pela comemoração dos quarenta anos do mais velho no sábado.

A ida foi tranquila, ônibus vazio, ninguém sentado ao meu lado, com tempo bom, sem acidentes e consequentemente engarrafamentos, comuns na estrada. Consegui dar uns cochilos. Chegamos no horário previsto à rodoviária, peguei o metrô e o aniversariante foi me buscar na estação Sumaré, perto da sua casa, na qual passaria o fim de semana.

A comemoração dos seus quarenta anos no sábado foi muito alegre, com a família e os melhores amigos. Estava ele bastante feliz. Uma curiosidade: comentou comigo em conversa que tivemos semanas antes, que no almoço dos meus quarenta anos, foi bobó de camarão o prato principal. Minha nora, não sabendo deste fato, me falou que faria surpresa servindo esta comida. As coincidências inesperadas que acontecem. Estava maravilhoso!

Segunda-feira cedo fui a rodoviária voltar para casa. O ônibus estava lotado. Comprei cadeira semileito, banco número 66 no corredor. Esperava que, como na vinda, não sentaria ninguém ao meu lado e sobrariam lugares.

Então, logo veio um mulato forte, careca e sorridente apontando para a cadeira ao meu lado, a da janela. A viagem seria cansativa, pois ele era do meu tamanho, mas mais gordo - forte. A briga de cotovelos sobre o apoio central dos bancos seria incomodante.

Achando ainda que não encheria o ônibus, sentei na poltrona do corredor na fileira ao lado, torcendo. Foram entrando outros passageiros, sentando mais à frente, até que um senhor de meia idade, apontou para a poltrona da janela ao meu lado. Voltei ao meu lugar. A lotação era máxima.

Saímos de São Paulo sem grandes problemas. Meu companheiro na janela se ajeitou e logo dormiu a sono solto, invejando-me. Paramos às treze horas para almoçar em um posto em Registro, com 200 quilômetros percorridos e faltando ainda 500 quilômetros até Floripa. Chão ainda pela frente.

Almocei e voltei ao ônibus. A conversa entre o meu companheiro de viagem e o senhor meia idade, estava animada. Notei o sotaque do moreno: carioca bem carregado. O outro, não percebi nada diferente na sua fala. Sentei-me.

-O senhor acredita que ele é carioca também? Dois cariocas lado a lado no mesmo ônibus, é demais, não acha “merirmão”? - falando comigo com um largo sorriso de dentes brancos.

-É mesmo? Que coincidência não? – respondi.

-“Né mermo?” – disse com a típica e carregada pronuncia do Rio de Janeiro.

Reiniciada a viagem começamos a conversar eu e o moreno sorridente. Ele contou que estava indo a primeira vez para Florianópolis, pois conheceu uma amiga pelas redes sociais que mora lá e lhe pagou as passagens e uma semana na pousada que ela cuida na praia Mole. Tudo por conta da amiga.

-Você deve ser muito gostoso hein? Nunca me fizeram isso não – brinquei com ele que sorria feliz. Simpático o carioca!

Curioso, perguntei ao outro carioca o motivo da sua viagem à capital catarinense.

-Vou me casar!

-“Caraca , é mermo? Qui merrda cara” – exclamou o gostosão ao meu lado, sempre sorrindo.

O noivo riu e contou que reencontrou o seu amor adolescente também nas redes sociais morando na ilha da magia e resolveram se casar, já que ambos tiveram suas vidas em separado, e agora, era o momento de se juntarem definitivamente.

-Incríveis as suas histórias, muito semelhantes, não? Quero ver vocês se encontrarem com suas mulheres na rodoviária.

-“Perai merirmão, não vou casar não!” – diz o carioca ao meu lado, nos fazendo rir também, como ele.

Em dado momento na viagem, um acidente causou engarrafamento de mais de uma hora, atrasando nossa chegada. Entramos na rodoviária de Florianópolis às 23 horas. Que odisseia, 14 horas dentro de um ônibus. Suas mulheres os aguardavam ansiosas.

Descemos juntos, eu mais à frente dos dois cariocas. Então, veio a noiva correndo alucinadamente ao encontro do seu amor juvenil. Abraçaram-se e beijaram-se. Ele viu que vi a cena e lhe acenei sorridente.

O “gostosão” veio atrás de mim e notei a amiga prodiga caminhando em sua direção, e a cena se repetiu: abraçaram-se e beijaram-se. Sorri e segui para a saída, encontrar com minha mulher que me aguardava no carro.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 10/08/2023
Reeditado em 11/08/2023
Código do texto: T7858435
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