SANTO DE CASA

Tico Carcará tinha o sonho de formar seus filhos na faculdade. O auxílio do governo servia para manter a família em pé e a renda extra de Dona Leninha para alimentar o sonho das crianças. Fazia de tudo para ganhar um trocado. Em dia da Eleição distribuía panfleto. Nas festas de um distrito do interior da Bahia, vendia geladinho, água e refrigerante, lavava carro no balde com água do rio, consertava eletrodomésticos, vendia brigadeiro de colher.

De dois em dois anos, no final de setembro vários personagens surgiam das repartições público-privadas. Tico conhecia os políticos de sua cidade pela cara e pelo bolso. “A eleição se ganha no silêncio da lua”, ouvia sempre.

Durante o dia, perambulava nas Zonas com os quatro bolsos da calça jeans abarrotado de figurinhas de candidatos a algum cargo. Dona Leninha com sua bolsa térmica vermelha cheia de sacolés e água mineral; e seus três filhos na retaguarda. Cada filho com um saco marrom de pão recolhendo do chão o futuro político dos adversários. Final do dia, independente do resultado das urnas, estava ganho.

Tico não acreditava nas promessas de candidato algum, nem parentes próximos. Trabalhava na campanha por necessidade, sobrevivência. As promessas de emprego nunca se cumpriam.

Segunda-feira, enquanto uns acordavam indispostos, Tico saltava da cama sorridente e pronto para mais um dia de batalha: ganhar o pão de cada refeição. Quando passa a eleição até o dia da posse, os políticos se escondem do povo. Parece jararaca quando troca de pele, dizem que é a tal da transição. Já pensou atender a todos os prometidos. Não existiria desemprego e a máquina iria à falência, só de cargos de desconfiança. Confiar o erário a um apadrinhado é quase uma burocracia.

Amassado na multidão de fanáticos, Tico viu seu candidato tomar posse e discursar na tribuna, democraticamente. Aquele que o ajudou a eleger sabe que foi enganado, mas um dia seu “Santinho” ainda fará um milagre.