O Sol, a Lua e a vida real.

O Sol, a Lua e o mundo real.

Era uma manhã fria cinzenta. E eu sentia a alma despedaçada, mais parecia uma vidraça estilhaçada, ao qual, tentava juntar os cacos para ver se conseguia recompor a alma e principalmente a vida. Porém, eu sabia que vidas não eram jogos que se podiam recompor. Sabia, por outro lado, que era uma chance única, mas e daí? Não conseguia tomar uma decisão. Olhando no espelho, via a imagem do marido, doce, amigo com seu amor seguro e cheio de paixão. Por que não podia ter as duas coisas? Nunca procurará, acontecerá, amava o marido. Contudo o outro representava a aventura, viagens, paixões e aquela pegada devastadora.

Tudo que jamais teria com o marido. Às vezes se perguntava quem tinha mais direitos sobre ela, o marido atual, ou o outro que já existia na sua vida, no seu passado. O grande problema era a maldita fidelidade, se conseguisse trair o marido. Mas não conseguia. Não conseguia. Ficava me queimando por dentro. Não queria deixar o marido. Não saberia viver sem seu abraço seguro. Assim vivia confusa, dilacerada por dentro. Dividida entre o porto seguro e a ilha vista de longe e cheia de aventuras.

Dia após dia me debatia naquela dúvida terrível, todas as manhãs, o sorriso de Pedro invadia a minha alma e, principalmente, o meu corpo. Ele fizera parte da adolescência, juventude foram cinco anos de namoro. Foi o descobrimento do primeiro beijo de língua, do sexo devastador que sugava a alma e corpo ao mesmo tempo, era uma comunhão tão perfeita de sons, cheiros e sabores que levei anos tentando não pensar naquele homem para me salvar. Minha mãe sempre dizia:- esse homem é da lua e do sol, jamais pertencerá a alguém. Me doíam imensamente estas palavras, mas, no fundo do coração sabia que o sol estava nos olhos que iluminava todos lugares que passava e a lua. A lua era aquela profundidade da noite densa e fechada em que ninguém penetrava.

Entretanto, num dia qualquer das nossas vidas ele foi embora. O mundo lá fora o esperava, queria viajar estudar na Europa, enfim viver a sua juventude transviada. E eu. Eu não podia. Pertencia a um outro planeta, aquele dos sérios, disciplinados organizados, não era da lua, nem do sol, era do mundo real. Quase enlouqueci, quis morrer de amor. Mas como era de se esperar, sobrevivi devastada, oca com a alma fragmentada em mil pedaços que, talvez tenha se espalhado por todo o planeta. Vivi durante um ano sem sentir o tempo passar, percorrendo bares, boates tudo regado a muito sexo casual. Me perdi te procurando. Aliás, a moça disciplinada se arrastou por um além-mundo. Quantas vezes acordava ao lado de um homem qualquer com a cabeça dolorida de ressaca e arrependimento pelos meus atos alucinados.

Pedro se perdeu no planeta, enquanto eu me consumia de dor, de desalento. Tantas e tantas vezes, eu te procurei. Mas, nada, nenhuma resposta. Até que um dia. Ou melhor, uma noite, como tantas outras de festas vazias, conheci o Nando. Doce, calmo e com uma paz imensa. Uma paz que acalmaria todas as minhas guerras internas. Ele foi se aproximando. Tornou-se meu melhor amigo, mas sem sexo. Possuía um senso de humor que afastava qualquer desalento. Foi me ganhando aos poucos. Então, o amor voltou a minha vida. Amava a a segurança e a paz que me transmitia. Casamos. O Pedro ficou pra trás e vida foi andando seguindo o rumo natural durante quase oito anos. Entretanto, numa esquina que poderia ser de qualquer parte do mundo. Te reencontrei.

Era um dia como outro qualquer da minha vida, te vi ao longe. Atravessando uma rua, sorrindo e conversando alegremente com a irmã. Eles não me viram, mas isso não importava, para mim, o importante é que eu o tinha visto. Uma Juliana perdida voltou pra casa. Me sentia zonza. Ele chegou. Estava no Brasil. E a gora. O agora se deu rápido, Aline, a irmã dele, nos convidou para um jantar em homenagem ao Pedro. Aceitei sem pensar e fui sozinha, disse que o Nando estava trabalhando, afinal, ele era médico, estava sempre de plantão. Mas, na verdade, não comuniquei o motivo do jantar. Fiz todo o caminho da minha casa até a da Aline, sem pensar ou raciocinar, nem sei como cheguei. Eu queria tanto vê-lo.

Quem atendeu a porta foi o Pedro. Os mesmos olhos e sorriso que me desarmavam. Longe de ti, eu pensei que tinha controle da minha vida porém, agora que tu chegaste e o abismo se achega. Eu quero voltar pra casa. Tenho que te enfrentar. Vou ficar a deriva. Vou me perder de novo. Me abraçou como se nunca tivesse indo embora. Me senti voltando pra casa de depois de longos anos afastada. Amava aquele maldito. Amaria mesmo quando se transformasse em pó e o vento o espalhasse por todo o planeta. Mas, vou ficar natural. Te olhar nos olhos. E depois vou ficar infeliz feito uma ausência. Ele dizia que eu estava linda, mais mulher. Conversamos muito, ou melhor, ele contou das suas viagens, dos estudos e da Universidade que dava aulas na Austrália e da sua falta de intenção de voltar ao Brasil. Quando nos despedimos, ele disse que me amava, afinal, éramos sobreviventes.

Retornei ao meu mundo organizado e disciplinado e para meu porto seguro. Entretanto, eu sabia que a Juliana voltou diferente daquele jantar, pois aquela que foi em busca de um sonho de adolescente ficou pra trás. Aquele amor estaria intacto na alma da menina. Mas, ela cresceu e conheceu um homem de verdade. Sabia que teria que fazer uma escolha continuar meu casamento ou largar tudo e acompanhar o Pedro. Escolhi viver o meu mundo real, nunca fui da lua nem do sol.

Isa Piedras- 19/12/2007