Reminiscência

As árvores balouçavam à passagem do vento brejeiro. De dentro da casa a mulher acompanhava os galhos festeiros. Seus olhos fechavam e vinha à lembrança um passado distante. Naquele tempo os cabelos envoltos num redemoinho arrancava lhe o riso faceiro. Os braços se alongavam tentando alcançar o seu grande amor.

As folhas das janelas batem, e seus olhos se abrem numa mistura de ternura e exacerbação. Levanta-se na intenção de fechá-las, mas a cena lá fora a deixa imóvel, irresoluta. Enfim opta por se colocar atrás da janela e espiar pela lacuna da madeira. Franze o sobrolho e se entristece com a mobília descida do caminhão. A casa ao lado, desocupada há tempos, era para si preenchida de lembranças. Ali estivera boa parte de suas reminiscências. Até o cheiro do mofo era sentido com nostalgia. Contou cinco pessoas e teve uma forte impressão de serem conhecidas suas, mas impossível naqueles semblantes contemporâneos.

Cismou um tempo sentada na cadeira. Depois ouviu o burburinho da gente jovem nas cadeiras do bar próximo. Ressentiu-se, pois abafava o som da natureza. Há muito melindrava-se com o progresso. As ruas pavimentadas tiraram o aprazível som dos pés sobre o cascalho.

Destarte ficou um bom tempo ensimesmada. As horas passaram. E, chegado o crepúsculo teve um momento de repouso, mas numa nova lufada de vento, despertou e ante a janela teve uma visão pouco nítida de alguém a espiando. No entanto, aquela silhueta trouxe a lembrança daquele dia dos cabelos revoltos pelo redemoinho. Teve até a impressão de ouvir um sussurro: – Donairosa!