O caminho e o andarilho
O desafio era diário, repetido, mas nem por isso o espetáculo era menor. Pelo contrário:
- Ah, seu malandro - disse com o cenho franzido, meio cego contra a luz -, hoje tu resolveu espiar, né?
Pois até o sol, mesmo apressado, às vezes diminuía o ritmo e gastava a curiosidade.
- Te acalma, ainda tô aqui - disse com um sorriso amargo.
Os passos mancavam, tinha calos. Os calçados eram gastos e se aproximava o dia em que a sola desgrudaria. As mãos não tinham mais bolso. As orelhas eram calejadas pelo vento duro. Dentro, aquela fome funda, absurda. Cansaço.
- Fiz a promessa, não fiz?
Subia a rua, ganhava distância. Não sabia mais o quanto subia, não sabia mais o quanto ganhava; quer dizer, ganhava?
- Sem prêmios pra você, cara - brincou com sua ironia.
E ia um passo depois de outro passo.
Um mecanismo, um autômato, um robô: passos e passos.
Um relógio preso em tic e tac.
E o sol, hoje, mais demorado, mais curioso.
- Tá duvidando, né? - provocou. Ainda não vai ser hoje, não, hoje não.
Um passo. Um autômato. Outro passo. Um robô.
Tic e tac apertados, muito apertados.
E uma promessa, o destino gemido depois de um choro sufocado.
Protegeu a vista, olhou o caminho. Era o inimigo. Um inimigo escorregadio - tão grande, tão parado, e mesmo assim tão fugidio debaixo de cada passo. Repetiu a prece, a loucura, a sina:
- Até te achar, ou até te acabar.
E repetiu bem alto, para que o sol escutasse e quem sabe, no dia seguinte, ainda curioso, voltasse para espiar.