A TERNURA DO AMOR
A TERNURA DO AMOR
Vi-os quando relanceei o olhar ao longo da praça onde me encontrava. Era um casal muito jovem, não mais que adolescentes, ambos magros mas ela já exibindo o florescer de um corpo anguloso e bem modelado, os cabelos compridos revoltos pela brisa suave, o rosto lindo, de tez rosada, lábios cheios e sensuais de menina-moça.
Caminhavam de mãos dadas sorrindo um para o outro. Pareciam felizes e entusiasmados pelo vigor da idade.
Acomodaram-se um banco a poucos metros de mim, entretidos no diálogo sonhador, típico da maravilhosa idade, fitando-se com ternura.
Embora demorasse na apreciação do espetáculo que era aquela menina graciosa, quando eles sentaram e ficaram enternecidos um com o outro voltei minha atenção para o livro que trazia nas mãos, deixando o jovem casal livre de minha bisbilhotice. Ademais, eu não podia saber que os dois protagonizariam, logo a seguir, uma cena inesperadamente comovente.
Tornei a vê-los após decorridos cerca de quinze minutos.
Continuavam conversando, mas percebi que algo mudara no semblante de ambos, mostravam-se taciturnos, ela emburrada e gesticulando muito, ele um tanto sombrio e meio casmurro. O jovem casal de namorados discutia baixo, mas acalorado.
Aborrecida, a bela adolescente parecia ainda mais bonita.
Divertido com a maneira como mantinham o diálogo brusco e o modo quase suave e ao mesmo tempo quase severo como brigavam, fiquei a observá-los discretamente, embora não me fosse possível ouvir o que diziam. E isso aguçou ainda mais minha curiosidade. Quanta ousadia tinha de ouví-los! Contudo, logo conclui não ser necessário escutar suas palavras porque seus gestos eram tão eloquentes, tão visivelmente manifestos. Eles gesticulavam com a veemência de quem está realmente zangado e exige uma retratação imediata. Alguma coisa indubitavelmente séria acontecia entre eles naquele momento, não tive a menor dúvida. As faíscas saindo dos seus olhos revelavam essa premissa.
E quando ela, repentinamente, saiu de perto dele e foi sentar-se na ponta do banco enquanto o braço dele, acompanhando as palavras que proferia febril, dançava no ar, o pobre rapazola meio surpreso e, talvez, até abalado, decerto procurando entender porque tudo aquilo estava ocorrendo, sorri indulgente na minha cômoda posição de mero e indiscreto espectador.
Penso que esgotaram os argumentos, certamente não havia mais nada a dizer, porque, súbito, calaram-se cabisbaixos, a angústia visível em seus rostos ruborizados. De vez em quando, porém, lançavam olhares sorrateiros um para o outro, tornando a baixar rapidamente a cabeça se cruzavam os olhos. Isso durou alguns minutos – uma eternidade para eles, com certeza. Depois, assumindo um fingido ar de indiferença, ela levantou-se e esperou...sem saber, na verdade, o que deveria ou poderia ter como chegada naquele instante de corações desencontrados. E começou a balançar a perna direita numa clássica atitude de indisfarçável irritação. Ele, indigitado coitado, sem saber bem o que fazer, não sabia nem onde colocar as mãos, se nos bolsos ou na cintura, fez o mesmo. E de tal modo se desconcertaram, que, sem qualquer outra alternativa vez que o silêncio incomodava e causava ansiedade, de repente saíram a andar lentamente distantes um do outro, emudecidos, a brisa ousada e intrujona brincando com os sedosos cabelos dela e espalhando-os no ar como belíssimas e douradas asas farfalhando no ato do vôo. E ela, aborrecida com o vento, jogava a cabeça para trás para acomodar as madeixas brincalhonas.
Os dois passaram por mim ainda entregues à absoluta arrogância do mutismo, e eu percebi o rosto dela enrubescido e triste, os olhos um tanto marejados, os lábios fazendo beicinho de mágoa. Ela não queria dar o braço a torcer, mas estava sofrendo. Pude notar, também, o ar melancólico estampado na face do garoto, sua agonia interna mas tão perceptível no olhar melancólico e angustiado.
Acompanhei-os com indisfarçável atenção, interessado naquele breve interlúdio de paixão jovem e querendo ver até onde os dois permaneceriam naquela forçada e triste indiferença. Alguém, pensei, teria que ceder e abrir a porta do entendimento ou, pelo menos, entreabrir a janela da possibilidade do diálogo na busca do perdão mútuo. Da maneira como estavam não deveriam jamais permanecer.
Lá adiante, quase no final da praça, por fim, ambos pararam ao mesmo tempo como num acordo tácito, sem ânimo de se encarar embora estivessem frente a frente, um tanto próximos. Seus olhos se voltavam para o chão, as mãos do jovem agora metidas nos bolsos, o pé direito fazendo desenhos bobos no piso duro da praça, ela segurando cadernos e livros nos braços cruzados sobre o busto em formação; tive a impressão de que a linda menina soluçava mansamente à guisa de uma criança perdida na multidão, pois seus ombros se mexiam de quando em vez e ela procurava baixar ainda mais a cabeça, já a ponto de enconstar o queixo no tórax . O silêncio persistiu entre os dois durante dois astronômicos minutos, cada um entregue aos próprios pensamentos e buscando nas profundezas do coração algo para ser dito. Contudo, logo concluíram ser impossível falar apesar das palavras borbulhando em suas bocas e a ansiedade explodindo por todos os seus poros. Mesmo à distância, senti, pelo jeito tão explícito de ambos, como gostariam de conversar, de se entender, de sorrir, de se abraçar. Mas não fizeram nada disso, o orgulho talvez, a insegurança decerto, o receio de tomar a inciativa provavelmente, tudo tolheu o que certamente desejavam fazer naquele instante equivocado. Assim, nenhum deu qualquer chance aos argumentos, à possibilidade de recuperar os fragmentos da paixão despedaçada. Muito lentamente, então, como se combinado, viraram, deram as costas um para o outro e seguiram em direções opostas, sem dizer nenhuma palavra.
Lá no meu lugar ocupando um banco da praça, longe deles, comovido diante daquela surpreendente ocorrência sentimental, respirando fundo, um pouco às lágrimas, acompanhei-lhes a maneira compassada como se deslocavam, os dois como que parecendo contar os passos um a um. Tive a nítida impressão de que, se vencesse o orgulho, a linda garota andaria de costas ao encontro dele ou giraria o corpo para correr ao espeço onde o jovem se achava, talvez até mesmo ocupá-lo ao mesmo tempo, nele, um no outro, tão relutante se mostrava em prosseguir a caminhada no sentido contrário ao dele. O garoto, por sua vez, não agia de maneira diferente, era se como não estivesse andando, as pernas, tenho certeza, pesavam toneladas, as passadas eram dadas em câmara lenta, ele sentia dificuldade em comandar seus movimentos. – na verdade, não alimentava a menor vontade, nem o mais leve resquício de ânimo de continuar a distanciar-se dela. Naquele momento, creio, ele seria capaz de cair ajoelhado aos pés dela para suplicar o almejado perdão se assim fosse necessário.
Os dois, porém, mesmo contra a vontade, se foram quase arrastando os pés.
Por um breve intervalo, enquanto eles se afastavam em direções opostas, desviei minha atenção para uma insistente borboleta que esvoaçava no meu campo de visão e perdi a sequência dos acontecimentos. O que se passou então, o decorrido ao depois, não vi, não pude, atrapalhado pela esvoaçante e trapalhona borboleta. Ao deitar-lhes novamente o olhar, descortinei, arrebatado por uma emoção que me injetou um frêmito de enternecedor contentamento e sem saber as razões que o teriam motivado, o adolescente correndo esbaforido e sorridente na direção da garota, que já o esperava toda ruborizada e dominada por uma indescritível expressão de felicidade no rosto iluminado pelo largo e feliz sorriso. O que teria acontecido nos poucos segundos em que me entreti com a borboleta? Quem havia cedido ao impulso de construir a ponte para unir novamente o que a discussão tola havia separado? Confesso que não tive como saber, a borboleta inesperada e metida não me permitiu.
Mas a partir daquele fato novo eu não quis perder nenhum lance do filme ao vivo a que estava assistindo, e fiquei torcendo, emocionado, para que ele chegasse depressa perto da garota. Eu estava parecendo um bobo torcedor fanático num final de campeonato de futebol.
Alcançando-a, por fim, ela a abraçou com suavidade, ela correspondeu cheia de alegria e ficaram enlaçados em plena rua durante intermináveis minutos, sorridentes e felizes. E choravam ao mesmo tempo, mas eram transbordantes lágrimas de indizível contentamento, pude notar, e seus corações, estou certo, pulsavam num ritmo único, apressado, de felicidade reconquistada. A custo separaram-se, enxugaram a torrente de lágrimas e caíram novamente nos braços um do outro. A meu ver, aquele prelúdio ganhara contornos de beleza encantadora. Também chorei discretamente, escondendo as faces úmidas. Eu os avistava tomado pelo arroubo da ternura, e estava realmente encantado e tomado pela emoçãodiante de todo aquele repentino romantismo ante meus olhos atentos. O quadro era lindo e enternecedor. Ri quando eles, a seguir, trocaram singelos olhares de reconciliação, beijaram-se levemente nos lábios, e foi um beijo de entendimento, de recomeço, beijo de portas se abrindo para a vida tornar a pulsar. Depois, deram-se as mãos e se foram.
Dei por mim sorrindo, abobalhado, desconcertado, enlevado, o coração aos saltos, atrevidas gotas lacrimejantes sulcando meu rosto novamente, sentado num banco da praça e meio atordoado, mas festejando o amor, com o livro fechado na mão.