Chuva vespertina
A água escorre pela janela do carro. Parecem gotas de lágrimas, como se a cidade das mangueiras chorasse toda tarde, de outubro até maio. As águas de março estão mais fortes, o clima trás a saudade de frames da minha vida que não voltam mais. Em tardes chuvosas como essa, eu estava de botas, andando na chuva com o amor da minha vida, todo molhado, tentando me proteger. Quando percebia que ele estava todo molhado, tentava protestar, mas só ouvia "só não pode molhar a minha Gatinha de Botas."
Outro dia, estava tendo um dia péssimo. Numa chuva como essa, fiquei presa numa rua. Vi que um tio estava vendendo tacacá e fui tomar um. No momento em que dei o primeiro gole, senti a acidez do tucupi na boca e me senti renovada, como se aquela cuia tivesse abrido um portal de milhares de anos e a força de meus ancestrais indígenas, pretos e caboclos me fosse passada. Desde lá, sempre falo que o tacacá é para me lembrar que sou feita da história de um povo forte e valente.
A Chuva que cai hoje não é a mesma de nenhuma dessas lembranças. Mas é isso, a memória é um poço de infinitas associações. Viva a Chuva vespertina da Cidade das Mangueiras!