Colcha De Crochê

Sentada em sua cadeira de balanço, Adelaide tecia uma colcha de crochê. Quadro após quadro ela ia tecendo e unindo um ao outro. A lã ia se transformando em uma linda, aconchegante e quentinha colcha.

Muito mais que um trabalho manual a lã se transformava em amor.

Enquanto tecia a colcha, que tinha destinatário certo, Adelaide pensava em sua vida.

Nascera no início da década de 1920. Agora contava 78 anos. O Século XX estava chegando ao fim. Quando nasceu nem pensava que um dia veria um outro século chegar.

Via toda a euforia das pessoas esperando ansiosamente pelo novo século e dizia:

-Não sei porque tanta euforia com a virada do século e do milênio. No dia 2 de janeiro a vida vai continuar igual é hoje. Nada vai mudar.

E naquele dia ela pensava em sua vida.

Casou-se aos dezoito anos com o homem que ela escolheu, com seu único namorado por quem estava apaixonada. Ele a amava muito e a tratava com muito carinho e zelo.

Quando casou-se não sabia muito sobre a vida e o casamento. Sua mãe nunca foi de conversar sobre assuntos que eram considerados tabus, como sexo.

Ela ficou um pouco assustada, mas seu marido foi muito paciente e carinhoso o que a fez amá-lo ainda mais.

Logo veio a primeira gravidez. Ela não estava preparada e não sabia como lidar com isso. Sua mãe também não conversou com ela sobre o assunto. Sua irmãs mais velhas a ajudaram com a questão. E veio o primeiro parto. Ela aprendeu com a sua própria experiência que um parto dói e que um bebê requer muito cuidado. É como um brinquedo que pode se quebrar e dependia totalmente dela.

E ela pediu aos céus que não viesse mais nenhum bebê.

Mas veio o segundo.

E o terceiro.

E com o tempo chegaram, ao todo, doze filhos.

Não foi uma vida fácil.

Nem financeiramente, nem emocionalmente e nem como mãe que tinha que cuidar de cada um dos filhos como se ele fosse o único.

O marido era um bom homem, trabalhador e amoroso, mas deixava os cuidados com a casa e com o filhos totalmente a cargo dela.

Ela quase nem tinha tempo pra si mesma. Quase não podia fazer o que gostava que era ler seus livros e fotonovelas, tecer seu tricô e crochê, visitar as amigas para um café da tarde e uma boa conversa.

Mas ela nunca se queixou. Cuidava de tudo com todo zelo e carinho. Cuidava dos filhos, os corrigia e os mantinha na linha. E ainda tinha tempo para agradar o marido.

Ela olhava a colcha que tecia e pensava que nunca teve tempo de tecer uma colcha pra nenhum de seus filhos, nem mesmo para seus netos pois quando os primeiros filhos se casaram e tiveram seus filhos os últimos ainda eram pequenos e ela ainda estava às voltas com o serviço da casa e a criação dos filhos.

E os filhos foram crescendo, estudando, trabalhando, se casando e ela nem viu o tempo passar.

Os netos nasciam e ela nem tinha muito tempo de ser a avó amorosa que suas amigas eram, O trabalho ainda a absrovia a maior parte do tempo.

Até que o ninho ficou vazio. Os filhos casaram ou foram trabalhar em outras cidades.

E o marido também lhe deixou e foi morar em outra dimensão ou virou uma estrelinha,

E ela chorou a sua solidão. Viúva e só. Algumas amigas também já tinham morrido, outras ela perdeu o contato. E ela nem sabia ser avó. Nunca teve tempo pra isso.

E quando se anunciou a chegada do primeiro bisneto ela decidiu que seria bisavó. Agora ela tinha tempo para curtir o bisnetinho.

Comprou lãs e lhe fez um lindo casaquinho de tricô e teceu uma colcha de crochê. A mais linda que podia existir.

Adelaide se sentiu renascer quando o bisneto nasceu e ela pode lhe presentear com seus mimos e pode lhe dedicar tempo e amor sem limites. Todo o amor que não conseguiu demonstrar nem aos filhos e nem aos netos que tanto amou, mas viu o tempo se esvair, eles crescendo e ela às voltas com o trabalho da casa e o cuidado com os filhos.

E o ritual foi se repetindo, a cada bisneto que se anunciava ela tecia o casaquinho e a colcha de crochê como se fosse a maior prova de amor que podia lhes oferecer. Era o símbolo do amor que ela sempre quis demonstrar aos filhos e netos e nunca conseguiu.

Talvez, no fundo, ela se arrependesse de não ter se esforçado mais para dedicar mais tempo e amor a eles e queria agora se redimir demonstrando todo amor que havia em seu coração pelos filhos e netos em seus bisnetos.

E agora chegava o sétimo bisneto. E lá estava ela cumprindo seu ritual. Olhava com amor para o casaquinho que já estava pronto, tecia a colcha e esperava ansiosamente a chegada dele.

Pensava na família linda que formou.

Esperava ansiosamente as tardes de sábado quando todos se reuniam em sua casa para o café da tarde. Fazia quitandas, biscoitos, bolos. Ao ver a casa cheia se emocionava.

Olhava cada um deles e pensava que cada um tinha uma história e que cada um fazia parte de sua história de dificuldades, dores, sofrimentos, mas também de muitas alegrias, orgulho, realização como mãe, avó e bisavó.

Sabia que tinha muitas colchas de crochê para tecer, muitos bisnetos para amar e mimar.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 23/07/2023
Reeditado em 23/07/2023
Código do texto: T7844037
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