Cinema paraíso
"Crônicas de tempos futuros"
Somos o que resta do cinema.
Nascemos num tempo em que ele já se extinguira, e só o descobrimos porque um de nós frequentava uma das últimas bibliotecas físicas que sobreviveram até hoje.
Leitor compulsivo, daqueles que gostam tanto de ler como de tocar e cheirar no papel, ele descobriu uma colecção de livros sobre o cinema antigo, aquele que, num passado distante, fora pensado e feito por humanos, com técnicas manuais, em película, e não digitais.
Essa colecção também explicava como se realizavam os filmes.
Ora nós nascemos num tempo em que a Inteligência Artificial fazia tudo, sem intervenção humana, por isso foi uma surpresa descobrir o passado humano do cinema,antes dos estúdios " para poupar nos custos de produção", numa primeira fase substituiu os argumentistas, numa segunda os actores, e por fim os realizadores.
E sim, também foi nessa biblioteca esquecida, que descobrimos este passado e também alguns dos poucos filmes sobreviventes.
Nessa biblioteca também descobrimos caixas de película nova, bem como algumas câmaras.
Era uma biblioteca estranha : dava ideia que, no meio de uma gigantesca megalópole, alguém percebera o que o futuro nos reservava e decidiu preservar algum passado, para que alguma da memória da época pré AI não se perdesse de todo...
O nosso grupo ficou em choque, triste, profundamente triste pela morte de uma arte tão bela, tristeza que passou quando surgiu uma ideia tão absurda como revolucionária:
- E se...?( as ideias mais ousadas começam sempre por esta interrogação ) ressuscitassemos o cinema paraíso...? ( A ideia veio de um dos filmes que o grupo vira).
Sim, e foi assim que tudo recomeçou .
Claro, demorámos imenso tempo a aprender e a fazer o primeiro filme.
Sim, mal temos público: temos que ir de cidade em cidade à procura de quem se interesse por esta arte agora já não extinta, temos que montar um projector e exibir estes filmes feitos à mão, com o argumento e actores possíveis, mas é um cinema feito por humanos, para humanos, num tempo em que a AI praticamente desempenha todas as funções humanas, sendo a humanidade apenas uma assistente de um futuro que já não controla.
E sim, não temos ilusões: não vamos mudar nada, colocamos apenas alguns sorrisos nas pessoas, sabendo que, apesar da humanidade ser um rebanho controlado pela AI, algumas das ovelhas são negras e imensamente felizes ao assistirem ao nosso cinema anacrónico, desactualizado (...) mas humano, ao nosso cinema paraíso .