Macho alpha
Estava uma típica tarde de verão porto alegrense, uma sensação de abafamento total, quem sabe por causa do vapor da água fervendo no rosto do vivente; não a água na chaleira de alumínio, para o mate, mas a água da chaleira gigante, a chaleira Rio Guaíba, que tinha o sol como a boca mais incandescente desse fogão a lenha, também conhecida como a capital dos gaúchos.
Esse era o primeiro final de semana após a inauguração da nova orla, um espaço de lazer, com quadras de vários esportes, além de bares e uma enorme pista de skate. Os carros chegavam, um após o outro, na medida em que a temperatura ia ficando mais amena. César, que pensou na ideia de levantar um dinheiro cuidando os automóveis, já havia arrecadado alguns trocados, embora não o suficiente, na sua visão, visto que já estava a mais de dez horas, pra lá e pra cá, debaixo do imponente astro rei, ajudando os motoristas a estacionarem. Foi quando viu um antigo colega de escola descer de um belo carro, com sua família, composta de uma esposa e dois filhos pequenos. Não tinha como não reconhecer seu antigo amigo e atual Pater Familia.
-Fala, Pedrão! Que nave, hein! Pode deixar que tá bem cuidado.
-Desculpe, acho que não te conheço, embora saiba o meu nome.
-Sou eu, Cézinha, fomos colegas na 7° série, não tá lembrado?
Pedro lembrou do antigo amigo e logo percebeu que sua esposa estava com uma cara de poucos amigos observando a situação, já sabendo muito bem o porquê.
-Ah, sim, como não. Pelo visto as coisas não têm sido fáceis pra ti.
Após esse comentário, Pedro olhou para sua esposa, como quem esperasse aprovação pela conduta um tanto desumilde. César fez uma leitura rápida da situação e percebeu o que poderia estar se passando na sua frente. Resolveu agir cordialmente, com um pouco de ironia, assim como era seu costume no trato com pessoas do tipo de Pedro.
- Pois é, a vida não é nada fácil, mas tendo saúde e alegria para rir e trabalhar, é o que importa. Mas olha só para você, todo chique e bem vestido. Parece que o sucesso te encontrou, hein?
-É verdade, a vida me sorriu de uns tempos para cá. Embora digam que dinheiro não traz felicidade, eu não estou nada triste, como pode ver.
Se pudéssemos perceber o estado de espírito no qual se encontrava Pedro naqueles últimos dias, veríamos que alegria ou qualquer outra sensação semelhante era o que menos havia no rapaz. As brigas cada vez mais frequentes com sua esposa, carregadas de impropérios por ambas as partes, estavam o levando ao limite de um colapso nervoso. Na última delas, sentiu-se um cachorro.
-Tu não presta pra nada, só pra empurrar o carrinho no supermercado. Nem um chuveiro é capaz arrumar. E dizem que a gente arruma um marido parecido com o nosso pai, vê se pode, meu pai ser um frouxo igual a ti!
Já haviam passados uns dez dias desde que comprara um curso na internet para se tornar uma espécie de macho alpha. O modo de tratamento que estava usando com César, segundo sua interpretação do manual que estava lendo, era uma das maneiras de agir dos aspirantes à RedPill, o que Pedro era no momento, ou seja, um homem adulto mal resolvido com a sua sexualidade.
Após dizer à César que logo estariam de volta, Pedro e a família atravessaram a avenida Beira-Rio e se dirigiram aos bancos de concreto que ficavam ao lado das quadras de futebol sete. Enquanto as crianças corriam e pulavam de um lado para o outro, Pedro puxou uma conversa com Marcela, com a intenção de quebrar o gelo que havia se formado na relação do casal.
- Que lindo pôr-do-sol, né querida?!
- Por que não o aplaude então? Daqui a pouco vai querer abraçar árvore também!
O Ego de Pedro estava afundando cada vez mais na sua atual insignificância perante a esposa; não sabia mais o que fazer para agradá-la, suas artimanhas já se haviam esgotado, e nem mesmo a suposta metamorfose que estava passando, de Beta para Alpha, não era o suficiente para a volta da felicidade conjugal de outrora. Demonstrar qualquer sinal de fraqueza estava completamente fora dos seus planos, afinal, estava almejando ser um líder incapaz de cometer erros; não havia como voltar atrás, a pílula vermelha já estava correndo na sua corrente sanguínea. Ele era a vítima, e Marcela nada mais era do que as mulheres realmente são, seres que manipulam tudo e todos a sua volta.
- Acho que você queria que eu fosse um zé ninguém, como o flanelinha ali. Olha só pra mim, um pai de família trabalhador, cidadão de bem, temente a Deus. Mas isso você não vê e nem dá o devido valor pra mim. Estou de saco cheio! A partir de agora as coisas serão diferentes.
Marcela não deu ouvidos às reclamações do marido; já estava quase na iminência de falar o que estava preso na sua garganta a certo tempo, o pedido de separação. Não aguentava mais ao seu lado um homem igual a Pedro, por isso, o deixou falando sozinho e foi ao encontro dos filhos, que estavam brincando logo mais abaixo. Enquanto isso, Pedro pensou na ideia de gravar um vídeo para o projeto que estava começando a ganhar forma na sua mente, o qual era criar um canal no Youtube ensinando a arte da sedução, entre outras coisas, como ser um homem independente e de valores morais. Pegou seu smartphone e começou a gravação.
- Você quer saber como realmente tratar as mulheres? Eu sou o cara que entende como tudo funciona. Enquanto os outros estão tropeçando por aí, eu sou o conhecedor, aquele que vê a realidade. Primeiro, você precisa entender que as mulheres são diferentes, e você tem que jogar o jogo delas. Não caia na armadilha da galanteria tradicional ou romantismo piegas. Isso é só para os trouxas. A chave é entender os instintos primitivos delas. Elas querem um homem que se destaque da multidão, alguém que seja dominante e seguro de si. Claro, tem aqueles que chamam isso de machismo, mas eles simplesmente não conseguem lidar com a verdade. As mulheres se atraem por força e poder, não adianta fingir que são diferentes.
Depois de gravados dois ou três minutos de vídeo com esse teor de ideias, guardou o aparelho no bolso e esperou o retorno da família. Mal poderia imaginar o rapaz que, mais tarde, em sua casa, a polícia estaria batendo em sua porta, devido à surra que deu em Marcela, na frente dos filhos, após mais uma das discussões do casal. Mas isso foi só um detalhe necessário para a fuga da Matrix.