*TRAVESSURA INFANTIL

          Era costume, das famílias, para agradar as amigas, convidar uma criança para ser a madrinha de apresentar do filho (a) que ia se batizar. O nome nem constava no livro de registro da igreja
         No meu sertão a ocorrência se dava nas festas de São Francisco em outubro, ou de Nossa Senhora da Conceição, em dezembro. As madrinhas mirins ficavam felizes, usavam roupas novas, comunicava as colegas.
Eu tinha em volta de sete, oito anos mais ou menos. Minha tia esperava seu neném, e a madrinha escolhida seria eu. Esse fato em nada me alegrou. Minha atenção voltava-se para a chegada do avião que traria a criança. Essa sim, tirava meu sono. Vê um avião assim no chão pertinho de mim! Lá no sertão, não se conhecia a grande responsável pela transportadora de levar bebês para as mamães, a cegonha.
         Minha madrasta, que era tia, foi chamada às pressas pelo marido da tia de buchão.
        Não sei por que ter um buchão daquele tamanho para esperar criança. Se o esperado vinha pelo avião! Será que ela comeu demais?
Eu não acreditava nessa história. Levaram-me para a casa da tia, armaram uma rede na sala, deram-me um copo de leite morno e bem doce.
Tá doce demais tia, tá ruim.
Tá rui não. Toma logo menina e dorme que tua tia está doente.
De que? Com dor na cabeça?
Deixa de pergunta.
O avião vem hoje?
Vem, cala a boca e dorme.
Mas de noite? As outras crianças nem vão ver?
Cala a boca menina, dorme.
Colocaram-me numa rede alta e eu não podia descer.
A rede está alta, eu não posso descer.
Fica assim, quando for descer me chama.
Fiquei bem quietinha fingindo que dormia. O coração em alvoroço para ver a chagada do avião. Ah! Vai ser bom demais! Vê o avião aterrissar no meio da rua trazendo um bebê!
          Era um vai e vem na entrada do quarto. Traz água quente, toalhas, corre vai chamar a mãe Aninha. Ela era mãe de leite das crianças, quando a mãe não o tinha. Foi minha também. Ouvi gemidos. Coitada da minha tia, tá com a cabeça muito doída.
Depois de várias horas de luta ouvi um choro de criança se esgoelando no ar. Levantei-me de um pulo, corri pelo corredor até o último quarto e a tia me barrou.
        Menina vai te deitar pelo amor de Deus, se não te dou umas palmadas.
E o avião que eu não vi?
Já foi embora.
        Foi um berreiro sem fim, por tanta decepção. Aí vieram outras indagações: o neném chega, a tia fica um mês acamada cheia de cuidados. Tá tudo errado. Gente grande mente demais. Nada explica. A gente tem que afobar os miolos para descobrir os mistérios da vida.
Três meses depois a festa e o batizado. Eu fui para a casa de uma amiga, não queria ser madrinha de ninguém, não me chamaram para ver o avião, tudo mentira. Fomos para o rio que ficava detrás das nossas casas. Tomamos tanto banho e nadamos que eu estava cansada e com olhos vermelhos, feliz da vida.
         Minha madrasta-tia aparece com um chicote me batendo até em casa. Corri. Para, se correr apanha mais. Vestiu-me. Um lindo vestido de organza verde, feito para a ocasião, um laço na cabeça. Fui chorando.
       Não chora, dizia. E sustenta a criança. Menina travessa. Fugir do batizado, isso é pecado Deus não gostou, falou a tia com austeridade e temor.
       Nunca mais gostei de ser madrinha. Assim mesmo, ainda criança, fui duas vezes, de cara torcida.

 
Sonia Nogueira
Enviado por Sonia Nogueira em 13/07/2023
Reeditado em 13/07/2023
Código do texto: T7836134
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