Um conto de Natal ou Quantas pessoas cabem em uma Uno?
Lembrei de uma noite de natal há algum tempo atrás, tempos que que eu tive uma Fiat Uno velhinha. Naquele natal resolvemos passar em casa só a gente mesmo. Eu, minha mulher e nossos filhos pequenos, um casal.
Já era tarde, umas onze da noite e resolvemos, como era de costume, irmos na casa de uns parentes que para desejarmos boas festas, comer umas rabanadas e beber um copo de vinho. Saímos antes que fossemos nós os parentes visitados.
A noite foi ótima, todos felizes. Nos abraçamos, rimos, contamos histórias. Ficou tarde, hora de ir embora. Por volta de uma da manhã. Quase todos se vão ao mesmo tempo. Entramos no nosso carrinho e descemos o morro. Era estrada de terra e havia chovido. Aqui sempre chove no natal. Coisa de verão. No caminho um casal conhecido nosso indo embora a pé e com dificuldades. O barro da rua estava encharcado e escorregadio até pro carro.
O casal em questão era formado por uma senhorinha lá na casa dos seus sessenta e poucos anos, bem baixinha e magrinha também. De vestido longo e sapatilhas. O seu marido, um senhor alto, com quase o dobro de seu tamanho, corpulento e cego. Cego mesmo. Cego de bengala. Com certeza o trajeto até a casa deles seria difícil naquelas condições. No ritmo do espirito natalino e movidos pela solidariedade que acompanha geralmente o povo pobre, parei e oferecemos carona. Se assustaram. Pensaram ser assalto, não era.
- Quer carona? Entra aí vamos.
Não precisei nem descer pra abrir a porta.
Te juro. Não sei até hoje, de que forma, como e onde, do nada se materializou tanta gente em volta daquele casal de velhinhos. Não sei se estavam enfiados no mato da beira da estrada, se tinha algum buraco, um terreno com o portão aberto, se aquele casal estava esperando o resto de sua família. Sei lá. Só sei que abriram as portas traseiras do carro e começou a entrar gente. Gente de todo canto, de todo tipo e de todo tamanho. Pra caber tanta gente meus filhos tiveram que pular para o banco da frente. O mais novo no meu colo junto ao volante e minha filha no colo da mãe. Lá atrás, o senhor parecia ter uns dois metros e juro: foi sentado no colo da velhinha. Entrou tanta, mais tanta gente que eu não tive condição de contar. Crianças empilhadas. Gente rindo e falando alto. Interagindo comigo e agradecendo a carona.
Não sei se por culpa do vinho também, mas entrei numa crise de riso, só conseguia rir. A porta de um dos lados não deu nem pra fechar, fui assim mesmo. O assoalho raspando em todo buraco, em todo quebra-molas.
Chegamos no fim da carona, nem era tão longe assim. Pelo que contei, desceu do carro nada mais do que oito cabeças. Oito no banco de trás. Viemos doze numa Fiat uno e desses, pelo menos uns seis poderiam muito bem ter vindo a pé.