O Batismo de Jorge da Conceição
-Quando a água chega no pescoço o que a gente faz? Nada.
Seu Jorge da Conceição era um piadista nado. Gostava de contar suas histórias, as que não viveu, inventava ali mesmo enquanto contava. Até seu próprio nome tinha uma história pra contar, só quem não gostava da história do nome era coitada da Deolice, sua mulher. Acontece que Jorge não nasceu da Conceição e sim com ela viveu seus primeiros anos da vida adulta.
Jorge se casou muito cedo, aos dezesseis anos com uma mulher que, como poderia dizer, poderia facilmente ser confundida com sua mãe ou avó. Era uma matriarca solitária e de ancas muito largas, sempre cobertas por um longo vestido de tecido estampado. Ao ver o pobre rapazinho vagando pelas ruas sem rumo, fazendo biscates, puxando carrinhos de feira, caixotes de legumes ou guardando carros se compadeceu de sua bela feição passando mazelas, sofrendo tanto ali na calçada, trabalhando ao sol quente pra ganhar poucas moedas que mal dariam pra pagar o seu sustento.
-Coitado do menino... levei pra casa. Sabe se lá o que aconteceria com ele se ficasse na rua sozinho. Eu não sou dessas que passa ao lado de um necessitado e finge não ver.
Dona Conceição, frequentava todos os dias a missa das oito na igreja de Santo Antônio e ficava a observar o movimento dos feirantes e, é claro, os meninos que por ali passavam, suados e sem camisa cumprindo o seu papel de ajudantes de feira. Foi assim que ela, ao fitar Jorge sentiu-se tocada à filantropia. Adotou pela manhã e casou-se com ele a noite. Logo Viveram um relacionamento confuso, pautado em sentimentos ambíguos e monetários por longos quatro anos. Daí o sobrenome: da conceição. Por que, de fato, Jorge foi da Conceição por todo esse tempo e da Conceição foi até a hora de sua morte. Seus amigos de feira o rebatizaram no primeiro instante que o viram entrar na igreja de Santo Antônio de camisa polo pra dentro da calça, sinto de fivela dourada e cabelo partido de lado, um pouco constrangido, de mãos dadas com a sua conjugue uma semana após abandonar o posto de serviço.
Quando Deolice conheceu Jorge ele já estava separado de sua primeira esposa, mas o sobrenome já estava impregnado nas entranhas sociais de Jorge. Era uma condição a se aceitar se quisesse viver com aquele homem. Jorge Antônio da Silva, vulgo Jorge da Conceição, em sua intimidade, sempre fora chamado de Jorginho por sua Deolice. Jorginho gritava Deozinha pra que todos na vizinhança soubessem que ali vivia uma deusa e era a ela sua veneração.