Que dia!
Seu andar era sofrido. Os sapatos gastos, apertados e os muitos calos dificultavam os passos de Francisca. Nesse dia enfrentava o sol escaldante do meio-dia. Estava exausta, sem almoço. Mas precisava encontrar o devedor. Ele havia encomendado cocadas e pedido fiado. Não podia esperar mais, o aluguel estava atrasado, as dificuldades financeiras eram muitas. Hoje tinha esperança que o encontraria.
Francisca vendia cocada de porta em porta. Levantava as cinco da manhã todos os dias. Iniciava o preparo do doce ralando o coco, depois colocava na panela a água e o açúcar para a calda. O passo seguinte era engrossar a calda para em seguida colocar o coco. Deixava no fogo até atingir o ponto de cortar. Despejava no tabuleiro e esperava que esfriasse. Enquanto isso preparava o café para a família. Entristeceu quando viu o pó de café quase no fim. O pão estava meio duro. Manteiga há meses não consumia. Sorriu amargurada pensando o quanto precisava do dinheiro para inteirar o pagamento do aluguel. O senhorio não aceitava receber uma parte do aluguel, só pagamento integral. E a aflição dela só aumentava.
Enfim chegou à casa do homem que a devia. Demorou tocar a campainha, pois sentia-se constrangida. Apesar da dívida, o homem fora gentil quando comprou as cocadas. Respirou fundo, tocou e esperou por alguém. A porta não se abriu nos cinco minutos que esperou. Então resolveu tocar novamente. Nova espera e nada. Era sua última esperança.
Uma senhora da casa ao lado espiou pela janela. Abriu e informou que o dono da casa havia viajado. Francisca sentiu um calafrio que percorreu o corpo de baixo a cima. E agora? – pensou. Agradeceu a senhora e rumou rua abaixo entristecida, já mais abatida do que antes. Sentia fome, sede e uma vontade de chorar copiosamente. Mas seguiu em frente, desejando um milagre.
Efetivamente ocorreu algo surpreendente. Uma carteira bem a sua frente. Francisca de olhos atentos, virou- se de um lado a outro procurando identificar alguém. Poderia se pega . Diante da confiança de estar só, abaixou-se e pegou a carteira. Em seguida viu uma sombra se formando na calçada. Tentou ocultar a carteira as suas costas. Enfim o transeunte passou por ela sem desconfiança.
Seguiu alguns metros e virando-se para o muro abriu a carteira. Havia os oitenta reais. Parecia um sonho, era exatamente a quantia que faltava para o pagamento do aluguel. Sentiu uma vertigem. O coração batia descompassado. Retirou o dinheiro, mas teve a curiosidade de ver o restante da carteira, encontrou um contato. Havia um número de celular. Guardou o dinheiro na carteira, colocou dentro da bolsa. Seguiu para casa. Não contou nada a ninguém. Pediu o telefone da mercearia emprestado. Ligou para o número e contou ao dono que a encontrou. O homem veio em poucos minutos. Agradeceu imensamente a honestidade. Ele disse que os oitenta reais era para pagar uma dívida. Francisca entendeu que não podia ser gratificada, e não aceitaria caso ele oferecesse.