7 Anos
Na mesma hora de todos os dias, dos últimos sete anos, a porta se abre. O som varia pouco de acordo com o salto que estará em atrito com o piso da cozinha. Somente o abraço da filha não se repete, sempre reinventado. Segundos de paz naqueles pequenos braços envolvendo seu pescoço, interrompidos por uma voz estridente de quem nunca aprendeu a ponderar o volume; nunca aprendeu ponderar nada.
Depois de escutar todas as reclamações e cobranças, Juliana deixa escorregar a bolsa, as sacolas e a coragem no sofá. Sua filha de sete anos, Carine, conta-lhe todos os casos que se passaram na escola. Ela escuta, mas distante, tentando com todas as forças estar próxima. Como uma gravação há sete anos repetida todas as noites, pergunta a Carine se já jantou, se já tomou seu banho. A resposta é sempre positiva, mesmo que não seja verdade.
O som de um carro se aproximando, o bater de portas, vozes em discussão, tudo isso denuncia a chegada de sua irmã mais velha e o namorado. A cozinha é sempre o tribunal da discussão do dia, e o juiz é sempre aquele que desiste. As vozes não demoram para se espalhar por quase todos cantos da casa.
Sem dizer nada, Juliana se ergue do sofá lentamente calma. Já não tem paciência para tentar ajudar. “Há certos casais que só sabem amar em guerra”. Pensa.
O modesto quarto quase a isola das vozes da casa. Algumas peças de roupa, que foram tiradas do varal, estão sobre a cama esperando por que sejam passadas e guardadas nas gavetas do velho armário. Saltando de um canto a outro, Carine ainda exige atenção e quase a obtém de segunda a sexta.
Quando consegue convencer a filha a ir assistir televisão, suspira, e lugubremente fecha a porta do quarto qual divide com a filha, para poder se despir. Expulsa um a um dos sapatos. Os pés sempre sofrem no calcanhar, mas é um dos preços a pagar. Peça por peça escorre pelo corpo e repousa no chão. A cada peça, uma parte do corpo é revelada frente ao espelho. Ela sempre examina cada detalhe, sempre encontra algo que lha desagrada, que a faz sentir indesejável. Os seios não parecem mais tão rígidos. As formas se arredondam em locais que ela não gostaria. Quando a vergonha de si mesma se torna insuportável, enrola-se na toalha, abre apenas uma fresta da porta para verificar se alguém está por perto e, não havendo ninguém, corre para o banheiro. Se houvesse alguém que a pudesse ver de toalha, ela esperaria dez, quinze, trinta minutos se necessário, sentada em sua cama, pensando, esquecendo, os eventos do dia.
A água quente que escorre pelo corpo faz o mesmo relaxar. O sabonete percorre a pele retirando-lhe o suor de um dia de trabalho, o shampoo retira a poeira da cidade nos fios negros , e tudo, tudo não é apenas uma questão de higiene. Mas o perfume no sabonete e no shampoo, o frescor que trazem, tudo faz parte de uma cerimônia esperançosa de antes de deitar, receber um telefonema.
Logo depois de passar diversos cremes pelo corpo, Carine volta ao quarto, ainda animada, ainda querendo atenção. Juliana calma, Juliana amorosa, já relaxada após o banho sede o colo e às vontades da filha. Brincam, riem, antes da hora em que Carine deverá ir dormir. Muitas vezes demora até pegar no sono e Juliana espera, liga o computador e senta-se na beira da cama até que a filha adormeça.
O silencio predomina no quarto. Apenas o som da respiração da filha que dorme despreocupadamente se faz presente.
O telefone manteve-se silencioso, no celular nenhuma chamada já faz alguns dias. Assim como não recebera nenhum e-mail. Tantas formas de se comunicar e nenhuma tentativa de comunicação.
Agora resta aquela cadeira frente ao computador para Juliana entrar em um chat para conversar com alguns rapazes.
Ali ela pode ser quem quiser. Conquista facilmente diversos rapazes com a descrição que faz de si mesma. Por muitas noites ela tem muitos pretendentes loucos para conhecê-la pessoalmente. Por muitas noites, virtualmente, ela é bela e independente, não tem filhos, nunca foi casada e por minutos, é amada.