Sete de Setembro

R. Santana

 

     Eu deveria ter 13 anos de idade e estudava na “Escola Sagrado Coração de Jesus” da professora Nair Assis Menezes, no Banco Raso, de frente à antiga fábrica de Chocolate Hugo Kaufmann. Nair Assis Menezes é (o verbo no presente, pois ainda é viva com quase 100 anos de vida) uma negra baixa, pescoço atarracado e corpulenta. Naquela época, ela e professor Challup disputavam à hegemonia das melhores escolas fundamentais itabunenses. A escola do professor Challup era frequentada pelos meninos ricos e da professora Nair era frequentada pelos meninos pobres.

     Os alunos que faziam o curso de “Admissão” na “Escola Sagrado Coração de Jesus” saiam aptos para o ginásio, ninguém era reprovado no “vestibularzinho”. A metodologia da aprendizagem de professora Nair não era embasada em Paulo Freire, Vygotsky ou Piaget, mas, uma palmatória com um furo no meio e uma régua enorme de madeira de Jacarandá. Se o “neguinho” não trouxesse o “dever de casa” e soubesse na ponta da língua a tabuada, Vygotsky e Piaget eram substituídos pela régua e pela palmatória.

     Eu tinha certa facilidade em tabuada, calculava com facilidade as somas, as subtrações, os produtos e as divisões, ou seja, as operações aritméticas. Professora Nair fazia “sabatina” sem avisar, colocava o pessoal da 5ª. Série em semicírculo e, se o aluno claudicasse ou não soubesse, passava pra o aluno subseqüente que, resposta correta, metia o “bolo” no colega com a força do braço.

     Eu tinha um amor platônico pela menina mais bonita da sala. Ela não gostava de tabuada, gostava de poesia, fazia com facilidade bonitos versos. Nós combinamos, ela sentar-se na cadeira adiante, numa posição que quando a professora Nair lhe perguntasse, ela não soubesse a resposta, incontinenti, passava pra mim, pegava sua mãozinha, dava-lhe um “bolo” com doçura, Nair desconfiou, chamou-me à mesa, deu-me 6 “bolos” com toda força do seu braço gorducho e completou: “... é assim que se bate”, ela agrediu minhas mãos, mais o coração. Não lhe queixo hoje, sentimentos de amar não combinam com a lógica aritmética.

     Porém, guardo na memória, além da aprendizagem, os festejos juninos, as quadrilhas e as palavras de ordem (Anavan, Returnê, Anavan Tur, Caminho da Roça...), as datas comemorativas, em particular, o dia 2 de Julho e o dia 7 de Setembro.

     Nair providenciava a charanga, o corneteiro, o cavalo branco, o menino mais alto e mais bonito, o cavaleiro caracterizado de D. Pedro I, estandartes da bandeira de Itabuna, da Bahia e do Brasil, garbosamente, descíamos à Avenida 7 de Setembro (Cinqüentenário), e, fazíamos uma pausa em frente às autoridades municipais e à população que se espremia nas cordas de contenção. Quando no final do percurso, Nair dava a palavra de ordem: “Dispersar!” Saíamos pulando de alegria e a consciência patriótica de dever cumprido.

     Porém, começávamos ensaiar muito antes, turno oposto, no “Campo da Desportiva”. Naquela época, esse estádio era o “chique no último”, nesse estádio, jogaram Garrincha, Pelé, Zagalo, Hideraldo Luis Bellini, “Bellini” e tantas outras feras do nosso amado futebol profissional. Lembro-me que a Seleção de Itabuna foi hexacampeão com “Santinho”, Luis Carlos, os Rielas, Gajé, Florisvaldo e outros atletas de renome regional.

     No “Campo da Desportiva” não ensaiava, somente, a “Escola Sagrado Coração de Jesus”, mas outras escolas. Certo dia, marchando ao redor do estádio, um garoto mais alto e mais forte, passou pisar no meu calcanhar, não sei se propositadamente ou, ele não sabia marchar, o reclamei várias vezes, contudo, ele continuou me pisar. Jurava para os meus botões que quando findasse o ensaio, lhe daria uma sova e assim foi, eu o procurei para que me pedisse desculpas, ele não pediu e gerou uma discussão, os meus colegas e alunos de outras escolas começaram atiçar:

     - Aposto no “sergipaninho”!

     -Aposto no “sergipaninho”!

     -Aposto 5,00 contra 2,00 no “Sergipaninho”!

     Aquilo foi me dando um fogo e partir para cima do garoto, mas, ele recuou o suficiente e me deu soco no olho tão certeiro que a roxidão tomou conta, fui vencido por nocaute.

     Não nasci pra valente. Deus não me deu um corpanzil nem coragem física, nem mente brilhante, sim, um corpo diminuto de jogador de gude e mente comum.

Autoria: Rilvan Batista de Santana

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Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA

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