Histórias que gosto de contar – Medo irracional
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 4 de julho de 2023
O medo é uma reação natural do ser humano, mas funciona como meio de sobrevivência por nos afastar do perigo. Quando esse medo extrapola o racional, cambiando para o irracional e persistente, independente da sua origem, chegando a atrapalhar a vida de um indivíduo, torna-se patologia psicológica. Nesse ponto tem-se a fobia. Mesmo que a razão desse medo não represente perigo verdadeiro, o nível de ansiedade do fóbico é altíssimo. Há várias fobias, de animais, de ambientes naturais, de situacionais, de sangue e outras.
Hoje vamos contar a história de uma família que recentemente foi morar em Portugal, o pai, senhor Agostinho, português de origem, morando no Brasil desde os cinco anos de idade, quando sua família, por causa da situação financeira resolvera vir para o Ceará, a mãe, dona Faustina e sua filha, Graciete, 19 anos, mãe solteira, e sua filha Gracilene, de quatro anos de idade. O pai, caminhoneiro aqui no Brasil, conseguira fácil um emprego em terras lusitanas, para exercer a mesma atividade por lá. Toda a família morando em um pequeno apartamento, rés-do-chão, rua estreita e de pouco movimento. Atrás um terreno sem uso, habitado por ratos e outros animais, possivelmente cobras e lagartos. Senhor Agostinho, em seu trabalho, passa dias sem vir para casa. Naquela noite, toda a família assistia a TV, quando Graciete, a mãe solteira, avistou algo estranho passando de um lado para o outro, no pequeno corredor da moradia.
Apavorada, gritou para a mãe, dona Faustina, informando da existência de um medonho e grande animal circulando pela residência. Cautelosa, a idosa senhora foi investigar do que se tratava. Ao descobrir que era um rato, ficou apavorada, não pela presença do animalzinho, mas pela reação da filha. Ela, musofóbica, portadora de um medo profundo de ratos. As reações da filha ela conhecia muito bem: gritos, choro, subir em camas, ou mesas e cadeira, sair correndo para a rua, tremedeira, suar em bicas, respiração rápida, ofegante, batimento cardíaco acelerado, vômitos e outras alterações comportamentais.
Dona Faustina sabia que em situações de perigo, em Portugal, era só chamar os bombeiros, que eles procurariam orientar como proceder, ou iam até ao local em perigo. Assim, resolveu telefonar, às 23 horas:
─ Boa noite, é dos bombeiros, preciso de ajuda!
─ Estou! Boa noite! Qual é o problema da senhora? – perguntou quem a atendera.
─ Entrou um enorme rato em minha casa e minha filha é musofóbica, tem medo de rato e pode até morrer, caso não receba cuidados.
─ Peço desculpa, mas não podemos ajudá-la desses casos. Procure o Serviço de Controlo Integrado de Pragas, que funciona a partir das 8 horas da manhã. – respondeu o bombeiro de plantão, já bastante irritado.
─ Não podemos esperar, minha filha já está deveras alterada, só estamos aqui, eu, ela e uma garotinha de quatro anos de idade, minha neta. Meu marido encontra-se viajando, e não consigo fazer nada, estou cuidando da filha e da neta, que também está apavorada – falou amistosamente dona Faustina.
O bombeiro, já perdendo a paciência, exclamou:
─ A senhora não pode afugentar para a rua esse maldito rato?
─ Não, ele se escondeu na casa de banho, não sei onde.
─ Então feche a porta da casa de banho e vá dormir, senhora – disse o homem do outro lado da linha, já gritando.
─ Não, ele se escondeu na casa de banho, não sei onde.
─ O senhor não precisa gritar, só estou pedindo socorro para a minha filha, que está fora de controle, e isso é consequência da fobia que ela sofre. Se não fosse por isso, eu não estaria tão preocupada, e importunando vocês.
Sem conseguir convencer a mãe de Graciete, o bombeiro respondeu:
─ Está bem, senhora, enviarei um bombeiro à vossa residência, para retirar esse feroz animal. Fique tranquila e aproveite para dormir até o meu colega chegar, - falou o homem com sarcasmo ferino.
As horas se passaram, as três mulheres pegaram no sono e às 10 horas da manhã, acordaram com os bombeiros tocando a campainha do apartamento. Assustadas, pularam da cama e foram saber do que se tratava. Ao ver aqueles homens fardados, levantaram as mãos para o céu, choraram e levaram os bombeiros até à casa de banho. O pequeno animal estava escondido atrás da sanita, que foi retirado e colocado em um bornal. Ao constatarem que era um filhote, argumentaram:
─ Não podemos levá-lo, ele tem que sair normalmente e procurar a mãe. Abra todas as portas do apartamento e o deixe sair espontaneamente. Afinal é um ser vivo.
Com essa observação, os homens foram embora, deixando as mulheres apreensivas, esperando que o filhote de fera tomasse a decisão de ir procurar sua mãe. Elas passaram boa parte do dia com os olhos arregalados, em direção ao esconderijo do pequeno roedor.