Magnétika- cap. 14
Magnétika- cap. 14
Pouco depois Seu Jô chegou; vinha com uns pacotes de livros da loja e sentou para tomar a sopa. Contou uma piada para mim, que caí na gargalhada.
-Ele já sabe de tudo- ela disse.
Ele mudou a cara de gargalhada para sério. se recompôs, limpou a barba no guardanapo e depois falou:
- É verdade... tantas pessoas no mundo; tantas crianças; não posso ver uma ou algumas, jogadas por aí e não fazer nada. Ela também é assim. E com seus gatos. Eu com os pombos. A vida ou Deus ou sei lá quem nos criou para sermos seres amorosos, para apreciar a vida, a beleza. Como vou ser feliz vendo alguém que sofre? Uma criança, principalmente. Eles todos são meus filhos, meus netos. Meus alunos, como você, que é esperto e gosta de ler. Venha comigo no quintal.
Fomos lá e os girassóis estavam brilhando ao sol, no terreno. Ele tinha plantado mais um monte, ocupando onde antes havia umas tranqueiras.
-Veja só; eles apontam para o Sol, que brilha a pino ao meio-dia. Por isso se chama Girassol; é a minha planta preferida. Já li algo sobre força magnética; eles devem ser magnetizados pelo Sol e são atraídos por ele. Esse magnetismo deve ser passado para todos, eu, você, sua mãe, seu pai, seus amigos. Nós nascemos para ser seres amorosos; o amor nos atrai e nos torna maiores.
Fiquei embasbacado; aquela cena, naquela casa simples e rude, me tocou por dentro. Seu Jô era de uma inteligência incrível, ao mesmo tempo tão humilde; essas coisas estão nesse tipo de pessoa de que você nunca desconfiaria, pela sua aparência pobre e simples.
Mas eis que noto pelo portão uma cena estranha. Um homem com uma trena; olhei de novo; havia outro com um teodolito. Seu Jô também reparou. Olhamos de novo e resolvemos ver o que era.
De início não tomaram conhecimento de nós; depois, como insistíssemos, o magrinho e alto, que parecia ser o chefe, todo serelepe, parou o que estava fazendo e falou, naquela voz fina e empostada:
- Edifício... Arco do Triunfo...1000 metros quadrados de área livre...
Seu Jô briga:
-Mas como? Onde?
O Homenzinho responde:
-Aqui...ali... aquelas casas vão abaixo; já venderam... nesse terreno baldio, com casa abandonada... - Pegou a trena e fez outras medições, quase em cima de mim e Seu Jô.
- O quê? Aqui não; já estou aqui há vinte anos... usucapião...
- Bem, vá falar com os homens... com o engenheiro, com os donos; eles têm grana; eu sou funcionário; só faço meu trabalho...
E voltou a falar com o outro homem do teodolito:
-Mais para cá, para lá... Aí! Vai ser um condomínio para gente de grana. Não sei por que vêm para esse lugar? Acho que os terrenos lá em cima esgotaram; têm filhos, netos, genros. Vão ser mil metros quadrados de área envidraçada e mármore branco.
Eu e seu Jô baixamos os olhos e ficamos pasmos.