ROSAS VERMELHAS ESMAGADAS

Desde criança Doralice Lourdes adorava cultivar rosas. Diziam que nascera para as flores e que as flores existiam por causa dela, tamanha era a sintonia entre elas. Passava a maior parte do seu tempo livre ajudando sua mãe a manter as roseiras encantadoras do imenso jardim da propriedade onde moravam. A beleza e o fascínio das rosas despertavam e atraíam admiradores até de outras cidades próximas. Não raro, dezenas de pessoas se acotovelam em frente à casa de Dora para tirar fotografias. Alguns, principalmente noivos e debutantes, pediam permissão, e eram atendidos, para posarem próximo às flores, tendo-as como pano de fundo para as imagens dos seus álbuns de recordações memoráveis.

Os anos voaram e Doralice cresceu. Tornou-se uma matrona linda e respeitada. Morreu-lhe a mãe, depois o pai e os irmãos. Todos acompanhados por rosas vermelhas que inundavam os caixões. Casou-se, vieram-lhe os filhos, os netos; enviuvou-se, mas a paixão pelas rosas nunca minguou um bocadinho sequer.

Após tantos amargores, já com a cabeça totalmente grisalha, mesmo sozinha em casa e com um pouco de dificuldade motora, Dora continuou cuidando com muito esmero dos seus preciosos canteiros de flores vermelhas. Regava, carpia até com as mãos desnudas as ervas daninhas que insistiam em crescer, afofava a terra, adubava, protegia as mais tenras do sol forte, do vento e das chuvas mais impetuosas. Tudo para manter incólume a saúde e vigor das suas flores. A paixão e a vida daquela velha senhora estavam enraizadas nas rosas. Viviam em simbiose. Afagava cada pétala como se fosse uma lembrança sagrada de um ente querido que debandara para o alto. Cada flor era um ser amado e cada ser amado era um belo rebento que ficara no seu coração e ao alcance de suas enrugadas mãos.

E o tempo foi passando. As pessoas já não se deslumbravam como antes. Poucos ainda se detinham, por alguns segundos que fossem, para admirar aquela tela viva da natureza. Nada disso importava, Doralice não vivia para colher elogios, a vaidade mundana passava a largo; continuava embevecida com o seu jardim como na época de infância. Seguia à risca o ritual diário de acalentar cada indivíduo, acariciando suas rosas, tocando suas folhas e até os espinhos com muito amor. Não era incomum vê-la dialogando com as flores como se estivesse embalando docemente no colo uma criança pequena.

No final de outubro de 2022, num belo domingo de sol, Dora se levantou um pouco mais tarde e, como fazia rotineiramente, foi cumprimentar suas roseiras. Porém, desta vez ela não voltou para dentro de casa.

Quando o mesmo sol que abrira o dia já ia se avermelhando no horizonte, acharam-na caída, sem vida, junto aos canteiros de rosas vermelhas destroçadas. Uma horda invadira o jardim esfacelando impiedosamente todas as flores vermelhas do recanto. O coração da pobre Doralice não suportou tamanha afronta.

Adolfo Kaleb
Enviado por Adolfo Kaleb em 30/06/2023
Reeditado em 08/02/2024
Código do texto: T7826100
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