Tempo de Espera

Ela descia o morro pela última vez.

Tinha pouco a levar. Suas roupas e das crianças, documentos e o pouco dinheiro que conseguiu para as passagens e pra se alimentarem durante as seis horas de viagem.

Os filhos de seis e quatro anos a seguiam, o de um ano e meio estava no colo e um outro estava na barriga há seis meses.

Seus olhos estavam secos. Todas as lágrimas ela já havia chorado nos últimos quinze dias, desde que seu companheiro fora morto em uma briga de boteco.

Os vizinhos mostraram o quanto eram solidários durante estes dias. Ajudaram no que podiam e ela não sabia o que fazer da vida. Contou também com a bondade do dono da casa que moravam que perdoou os dois meses de aluguel que não foram pagos.

E agora ela estava perdida com os filhos e sem nem ter o que comer.

O padre chegou. Veio conversar. Ela escutava com atenção, mas com descrença. O que ela precisava, que era comida e dinheiro ele não trouxe.

Ele, que conhecia a história dela, a aconselhou a procurar os pais que não via há alguns anos. Contou a parábola do filho pródigo. Aconselhou ela a fazer o mesmo.

Ela pensou muito e resolveu seguir o conselho do padre. Não tinha nada a perder. Se seus pais não aceitassem ela e os filhos, aí pensaria no que fazer.

Em pouco tempo o padre e os vizinhos arrecadaram dinheiro para a viagem.

Já acomodada no ônibus com os filhos ela pensava na vida e temia pela reação dos pais.

Afinal ela agira muito mal com aqueles que a amavam e sempre fizeram tudo por ela.

Ana Clara nasceu em um lar de classe média alta. Não eram milionários, mas tinham uma vida tranquila e confortável. Optaram por ter apenas uma filha para que pudessem dar a ela o melhor. Melhor estudo, melhor formação, melhor qualidade de vida.

Ana Clara era uma linda menina. Inteligente, esperta, estudiosa. Era o orgulho dos pais que a tratavam como uma princesa e a educavam com esmero e rigor.

Ela sempre se saia bem na escola. Teve uma festa de quinze anos dos sonhos. Ela escolheu tudo que quis e tudo estava lindo.

Já estava no ensino médio quando decidiu que queria ser administradora e suceder seus pais na empresa.

Uma lágrima rolou solitária em seus olhos. Ela olhou pela janela do ônibus.

Quando tinha dezessete anos conheceu Benito. Ele tinha vinte e oito anos e trabalhava em uma obra próxima à escola que ela estudava. Era pedreiro naquela obra de luxo.

Ele olhou pra ela e se encantou. Era um homem forte, bonito, interessante. Ele sabia jogar uma boa conversa pra cima das mulheres que queria conquistar.

Ana Clara caiu na conversa dele. Estava apaixonada e saíam escondido dos pais dela. Quando eles ficaram sabendo foram totalmente contra o namoro. Diziam que não era homem pra ela e ela batia de frente com eles. Benito se aproveitando da situação e com seu poder de persuasão ia envolvendo a garota.

Seus pais fizeram de tudo pra separá-los. Pediram, ameaçaram, ofereceram viagens, presentes, tentaram convencê-la que não era o melhor pra ela. Nada adiantou.

Menos de um ano depois ela engravidou. Disse aos pais que ia morar com Benito. Eles foram contra. Disseram que criariam o filho dela desde que ela deixasse o namorado. Ela não aceitou. A situação foi ficando insustentável e os dois fugiram.

Os pais dela ficaram arrasados. Tentavam encontrá-la e não conseguiam.

Contrataram um detetive para encontrá-la. Mas não tinham nem noção de onde eles estavam e nenhuma pista. Quando o detetive conseguiu localizá-la eles foram até lá.

Encontraram-na com o filho, morando em uma casa modesta e sem nenhum conforto.

Eles choraram ao ver a situação. Conversaram com ela e pediram que voltasse pra casa.

Ela disse que sem o companheiro ela não voltava. Discutiram e ela pediu pra eles não voltarem a procurá-la, que eles eram arrogantes e preconceituosos. Disse que estava muito bem e que amava Benito. Eles tentaram outras vezes até que desistiram.

O tempo foi passando e a vida de Ana Clara foi ficando difícil. Benito estava bebendo muito. Chegou o segundo filho. Ele se tornava agressivo quando estava bêbado e algumas vezes batia nela e nos filhos.

Mas ela estava completamente cega de amor e foi ficando. Nasceu o terceiro filho e foi chegando a necessidade. Ele trazia muito pouco dinheiro pra casa. Gastava quase tudo nos botecos e com farras.

Ela se viu grávida novamente e finalmente aconteceu a tragédia de seu ainda amado Benito ser assassinado em uma briga.

E ali estava ela naquele ônibus voltando para a casa de seus pais. Não sabia como eles receberiam ela e seus filhos. Estava apreensiva. Sabia que se eles não a recebessem ela estava perdida. Nem sabia por onde recomeçar sua vida sozinha com quatro filhos.

Ao chegar em sua cidade ela estremeceu. Estava envergonhada e com medo da reação de seus pais.

Foi caminhando devagar com seus filhos. Estavam todos exaustos.

Chegando em frente a casa onde morou por tantos anos, ela hesitou. Lembrou de sua infância tão feliz e pensou na infância que seus filhos estavam levando.

A tarde caía. Ela chamou. Ninguém atendeu. Talvez seus pais ainda não tivessem chegado do trabalho. Ela sentou com os filhos perto da entrada e esperou.

Pouco tempo depois os pais chegaram. A princípio não a reconheceram. Ao chegar mais perto eles viram que era Ana Clara.

Sua mãe chorou ao ver o estado em que ela se encontrava.

Observou os andrajos que ela e as crianças vestiam. Os cabelos dela, sempre tão lindos, estavam maltratados, a pele mostrava os trabalhos por que passou, seus dentes precisando de cuidados, as mãos e pés grossos.

Ela ficou parada olhando para a filha sem dizer nada. Só fazia chorar.

O pai dela se adiantou e perguntou o que ela fazia ali.

Ela então contou sua história e por fim disse que Benito morrera há quinze dias. Contou a conversa que teve com o padre que a fez ter coragem de voltar

O pai começou a chorar convulsivamente e a abraçou com força. A mãe se aproximou e também a abraçou. Eles disseram:

-Vamos entrar e conversar.

Eles entraram.

-E estas crianças lindas? Como se chamam nossos netos? Nós só conhecemos Artur, mas ainda era um bebê.

Ana Clara apresentou os filhos e disse que o que estava na barriga ela ainda não sabia se era menino ou menina.

Eles conversaram longamente. Ela disse que se sentia culpada pela dor que causou a eles, mas não se arrependia de tudo que fez pois fez por amor e que seus filhos são um pedaço de Benito que ficou com ela. Mas que ela sofreu muito e que não pretendia mais dar desgosto aos pais.

Eles impuseram suas condições para que ela voltasse. Queriam que ela voltasse a estudar e que trabalhasse com eles. E outras condições que ela aceitou.

Seu pai disse:

-Você é nossa filha amada, a nossa única filha que volta depois de tanto tempo. E frutificou. Você é bem vinda aqui com nossos netos. Vamos cuidar de você e de seus filhos. Nós amamos você de forma incondicional e nestes quase sete anos que você esteve fora daqui não houve um dia em que nós não tivéssemos chorado e orado a Deus pra você voltar. Não houve um dia em que nós não tivéssemos pedido a Deus pra protegê-la. Porque um pai e uma mãe não desistem nunca de um filho, mesmo quando esse filho se rebela e repudia os pais. Você é mãe e vai compreender o que falo.

Eles esqueceram toda a dor que passaram e acolheram Ana Clara e seus filhos e pouco tempo depois ela e eles estavam lindos, bem cuidados e bem vestidos. Nasceu mais um lindo garoto e a família estava tranquila e agradeciam a Deus por ter finalmente atendido suas preces. Eram uma família feliz e esperavam que nunca mais se separassem de maneira tão traumática.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 29/06/2023
Reeditado em 29/06/2023
Código do texto: T7825498
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