DE VOLTA AS PÁGINAS NOVAMENTE
Algum dia, eu lembrarei dos dias ruins. Algum dia eu rirei dos dias ruins, algum dia, talvez algum dia, eu irei esquecer dos dias ruins.Tenho trabalhado em uma concessionária e não tenho ganhando quase nada. Meu chefe caçoa de mim porque não gosta de onde eu vim. Ele fica me observando da salinha dele, através da janela do escritório, toda vez que passo para entregar alguma peça de carro. Aquele estoque era deprimente e todos naquele lugar sabiam disso, todos naquele lugar estavam perdidos. Vivendo uma vida sem sentido, ganhando e gastando a grana para preencher seus vazios.
Todos eram teatrais, escondiam sua amargura com piadas sem graça, muitos mantinham em segredo o ódio profundo que sentiam um por outro. A maioria era adultos, mas suas presenças eram uma vergonha. Controversos, atuadores, fingiam constantemente. Os de cima caçoam dos de baixo, e dos de baixo caçoam dos de cima.
Estava cansado daquele ambiente e decidir sair. Fui até a sala do gerente do estoque. Entrei.
-Quero meter o pé. - Disse.
-Você quer ir embora? - Ele mexia no computador.
-Isso.
Ele era careca, usava óculos e mantinha uma uniformização do século vinte. Com a calça de alfaiataria cobrindo a camisa. Tinha uma pinta enorme perto da boca, e toda vez que falava parecia que estava preocupado seriamente.
-Porquê quer ir embora? - Perguntou.
-Apenas quero meu acerto. - Disse.
Saltei da cadeira e parei na porta do pequeno escritório.
-Esse lugar é uma piada. - Complementei. - Você é uma piada, todos os outros também são uma piada. Eu não quero fazer parte disso, não quero acabar como vocês. Fingindo ser alguma coisa. Não preciso dessa merda, prefiro passar dificuldades do que dividir o mesmo ambiente com vocês de novo. Quero algo maior, e isso … Não tem nada a ver comigo.
Ele ficou me fitando do outro lado da mesa, com seus óculos de garrafa.
Saí do escritório e fui até o vestuário, abri meu armário e tirei minhas coisas de lá. Tirei meu uniforme e joguei na privada. Então saí pela garagem, o sol brilhava lá fora, e a avenida se encontrava movimentada.
Sentei no ponto, acendi um cigarro, esperei o ônibus chegar. Agora tudo que eu pensava era: De volta as páginas novamente.