PAULO E SOFIA

PAULO E SOFIA

A sensação de perda nunca vai embora, quando perdemos alguém carregamos a perda a vida toda, quando ganhamos é preciso entender o que isso significa.

A nossa narrativa começa em um dia feliz na vida de Paulo Souza, recebeu um convite para um jantar de uma de suas colegas de trabalho, eles se conheciam, flertavam, pelo menos na ótica de Paulo , aceitou o convite, jantaram no Leblon e foram para casa dela.

Sofia morava sozinha, achava Paulo charmoso com calça boca de sino, óculos de sol modelo largo, homem anos setenta, bigode e cavanhaque.

O apartamento de Sofia é no centro do Rio, Paulo estacionou o Maverick V8 na rua e colocou a tranca.

-Dá até arrepio andar nesse carro , não dá não Sofia? - ele brincou tirando só óculos de sol, olha que já era quase meia-noite, Sofia riu alto, usar óculos de sol altas horas da noite era coisa de gente doida, jeito gostoso de ser doido.

Conversaram àquela madrugada toda, grande variedade de assuntos, algum observador neutro diria que eles não tinham nada em comum, ela gostava de música romântica, ele de música country, ela comia comida japonesa, ele não comina nada que viesse do mar.

O homem intrigante, era o que falava os colegas de trabalho, Sofia dá uma chance pro Paulo ele está de olho em você, disse Elenice Caldeira, uma funcionária da higienização, nas horas vagas fazia a unha de Sofia.

Um belo dia Paulo deu uma carona para Sofia, no carro um cd inteiro de Alan Jackson, que Paulo todo desinibido cantava as músicas esgoelando totalmente fora de ritmo, para piorar ele parou de cantar e falou sobre o Ford Maverick:

-Surgiu nos EUA, em 1969, concebido para combater a invasão de europeus e japoneses no mercado americano, foi considerado o “anti-fusca”, como o modelo que tiraria compradores da Volkswagen – Sofia sorriu, aquilo parecia um trecho da Wikipédia.

Ela resolveu dá aquela chance para o enigmático Paulo, não era amor, nem atração física e sim “um gostar de estar perto”, loucura? Ainda mais depois que Paulo comentou sobre a sua tragédia.

-Deus não existe Sofia, e se existisse não deixava meu Pai dar um tiro na minha mãe. – Paulo baixou a cabeça, Sofia sentiu um aperto no peito.

-Que dor você carrega Paulo, mesmo assim é todo estiloso, alegre.

-Meu bem – ele olhou Sofia nos olhos e sorriu - eu não compartilho nada com ninguém há muito tempo, humor é pra evitar a depressão.

Eles ficaram abraçados em silêncio por alguns minutos, Paulo passava as mãos na pele nua de Sofia, enquanto ela, com as duas mãos acariciava os raros cabelos de Paulo.

Os dois estavam saindo algumas semanas quando Sofia teve coragem de falar:

-Preciso de ajuda? – Paulo deu uma boa olhada nela, cabelos pretos, olhos castanhos, rosto comum de bibliotecária, no trabalho vestia-se formalmente, para Paulo Sofia é uma linda, Para Sofia Paulo é uma figura retrô, saída de um filme do Tarantino.

-O que quiser.

Até aquele momento Paulo era um cinquentão solteiro convicto, na sua casa não tinha nem um gato, apenas discos de música country, vinho e muitas miniaturas de carros década de 60,70 e 80.

A relação de Paulo com as mulheres, nada de romance, apenas sexo eventual, quando a sua tensão sexual estava alta ele preferia prostitutas, falava pouco no trabalho, exceto com Sofia, para quem mantinha um olhar distante e tímido.

Sofia tinha quinze anos de loja, quase foi demitida na venda da empresa , porém ela caiu nas graças do novo contratado da gerência.

Marinho, o gerente, fisicamente é o contrário de Paulo, alto, forte, bonito.

Paulo ficou olhando para Sofia, ela sentou na cama, nua parecia uma diva.

-Eu não sei como falar – ela deu um suspiro e disse de uma vez – eu estou grávida!

Paulo tomou um susto, ele não queria filhos, rispidamente afastou o corpo. Sofia percebeu o susto dele e disse:

-Não, não quero que você assuma nada – ela estava com lágrimas nos olhos – quero que me ajude a fazer um aborto.

-Aborto?- Paulo estava atordoado.

-Sei, sei o aborto é contra a lei, o filho não é seu e vou entender se não quiser ajudar, não tenho ninguém, não tenho pai, mãe, irmão, a tia que me criou morreu ano passado.

-Tudo bem, eu te ajudo.

-Você tem um bom coração, eu sei que estamos saindo há pouco tempo e não te falei nada, tem três dias que fiquei sabendo, acabei o meu relacionamento com Marinho há um mês– ela segurou a mão de Paulo que parecia confuso, Sofia continuou a falar-, me apaixonei pelo Marinho, você sabe, todo aquele charme, sei que vai me julgar, ele é casado, o amor não escolhe – ela enxugou as lágrimas e continuou - bem são águas passadas, Marinho não quer saber de mim, eu não quero saber dele - ela apontou para barriga – quero tirar isso.

Paulo sabia quem era Marinho e mantinha distancia.

-Você falou com ele?

-O Marinho é legal, eu me meti com ele, eu esqueci de tomar o remédio, culpa é minha -ela vez um gesto circular com a mão pelo corpo – esse corpo é meu!

-Sabe que a responsabilidade também é dele. - foi uma coisa idiota de se dizer.

-Não posso perder o emprego e não quero ter o filho, não quero vingança, não quero ajuda do Marinho, só quero me livrar dessa situação e tocar minha vida, se você não quiser me ajudar tudo bem, só preciso de um amigo.

Paulo fez uma pausa e pegou a carteira e um caderninho, deu um telefone para Sofia.

-Essa é Olga, uma prostituta que eu costumo sair, ela conhece um médico que tem uma clínica em Volta Redonda, ajudei uma sobrinha uma vez.

Ela pegou o papel.

Semanas depois ela fez o aborto , quando a cirurgia terminou e Sofia abriu os olhos Paulo estava lá, ninguém mais.

-Tudo bem – Paulo falou segurando a mão de Sofia.

-Vou sobreviver. - Sofia apertou aquela mão tão necessária do amigo -Que bom que ficou do meu lado. Acha que vou pro inferno por causa disso?

-Não acredito em Deus, por justiça não posso acreditar no Diabo também.

Ela riu, por todos aqueles anos sozinho Paulo nunca pensou que poderia ter uma chance com Sofia.

-Tome… - ele entregou um papel e um presente.

-Outro telefone milagroso – Sofia sorriu.

-Telefone de um emprego melhor, se quiser, o presente é algo que significa muito pra mim.

Ela abriu o pacote, um embrulho terrível, papel-celofane com adesivo da Mesbla, coisa de Paulo( Mesbla gente! Pensou Sofia), dentro uma pulseira de ouro com pequeno crucifixo , ela sorriu de uma forma que Paulo ainda não tinha visto, Sofia parecia ter um sorriso para cada ocasião.

-Obrigada - Sofia colocou a pulseira, depois beijou Paulo.

Ele sentou na cadeira ao lado olhou aquele quarto terrível, ilegal, perigoso, parecia afastar a melancolia sacudindo da cabeça, deu um sorriso grande e falou:

-Eu comprei um cd do Jonny Cash, você vai gostar, estou louco pra te levar no karaokê.

JJ F SOUZA
Enviado por JJ F SOUZA em 21/06/2023
Reeditado em 21/06/2023
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