Histórias que gosto de contar – Dedo duro

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 20 de junho de 2023

Uma estrutura de ferro fabricada na França, inaugurada em 1897, reina imponente, até hoje, na cidade de Fortaleza, mais precisamente na Praça Visconde de Pelotas, Aldeota, conhecida popularmente, como Praça dos Pinhões, em virtude de existente, anteriormente, grande quantidade de pinheiros, naquele logradouro. Antes usada como mercado da carne, hoje Mercado das Artes.

Na década de 2010, essa estrutura recebia às sextas-feiras, contingente de pessoas para uma divertida noitada. Interessados em mostrar seus dotes artísticos de cantores, pontuavam seus nomes em uma relação, e, sob a responsabilidade de uma pessoa, eram chamados a cantar. Uma banda acompanhava os pseudo-artistas na execução de suas músicas preferidas. Cada “artista” tinha direito a uma canção. Caso sobrasse tempo, a lista era novamente acionada e, pela ordem, eram chamados mais uma vez a cantar.

Com idade geralmente acima dos 60 anos, a preferência desses personagens era sempre por músicas antigas, tais como Cauby Peixoto, com as músicas Conceição, Ninguém é de ninguém, Ronda, Yesterday, É tão sublime o amor etc; Ângela Maria, com A lua é dos namorados, A noite do meu bem, Babalu, Balada triste, Cinderela, Como é grande o meu amor por você, Errei sim, Foi Deus, Jovens tardes de domingo, Não tenho você, O show já terminou, Se queres saber; A cearense Ayla Maria com Eu sei que estavas tão linda, Morada; Sobre o arco íris etc; Evaldo Gouveia, com Sentimental demais, Mesa de bar, Cama vazia, Bilhete, A partida, Cantiga de quem está só etc; Nelson Gonçalves, com A volta do boêmio, Meu vício é você, Pensando em ti, Deusa do asfalto, Risque, Boemia etc. Outros cantores e cantoras também eram interpretadas pelos corajosos cantores das noites do Mercado dos Pinhões.

Enquanto os aspirantes a cantores soltavam a voz, outro grupo de presentes dançava animadamente. Era fantástico ver aquelas pessoas, de meia idade para cima, relembrando os dias gloriosos de suas juventudes, era alegria pura. E assim transcorriam as noites daquele ambiente saudável e concorrido, nas noites de sextas-feiras da bucólica Fortaleza. Não havia brigas, frequentador saindo bêbado, namoros desfeitos, todos ali estavam para se divertir, todos se respeitavam. O próprio ambiente ao redor daquela estrutura de ferro, formado pelas casas dos pacatos moradores locais, que se deliciavam ouvindo músicas, às vezes incorretamente saídas das cavidades de ressonância de cada intérpretes, soavam maviosamente.

Foi num dia como esses que dona Leontina resolveu que seria a rainha da noite. Mesmo antes de ter início a chamada dos cantores, essa senhora de 76 anos de idade, frequentadora do espaço, apossou-se do microfone, mesmo sem o acompanhamento da banda, começou a cantar. Sua voz rouca tornava a música quase ininteligível, levando a algumas pessoas ao riso, à galhofa.

Ao perceber o que estava acontecendo, o responsável pelo baile tentou reaver o microfone, primeiro pedindo, depois tentando tirar-lhe na marra. Ela corria de um lado para o outro e o responsável seguindo-a. Em um desses movimentos, a senhorinha esquivou-se bruscamente de seu perseguidor, fazendo-o ir ao chão. Foi uma gargalhada só. Encabulado, o homem tentou levantar-se rapidamente, não conseguindo. A amável senhorinha ofereceu-lhe o microfone para que ele o segurasse, que ela o puxaria. Diante da recusa de ajuda, ela se afastou, indo para o outro lado do palco da dança.

Socorrido por alguns dançarinos, o homem levantou-se, olhou ao redor, procurando aquela que o fez cair. Ao avistá-la, furioso, como se diz bufando de raiva, saiu ao seu encalço, não percebendo que ela já havia saído daquele local. Mais esperta que ele, a mulher se escondeu atrás de uma proteção de ferro, e, já furiosa, esperou-o com vontade de humilhá-lo ainda mais. Estrategicamente colocada, esperou que seu caçador passasse. Então, firmemente apontou o microfone em direção às nádegas do indivíduo, acertando-lhe, em cheio, o seu fiofó.

Por todo o espaço ouviu-se um berro por demais estridente. Quem não sabia o que estava acontecendo, assustou-se. Alguns dos presentes correram para socorrer o homem mais uma vez caído. Desta vez ninguém riu, o uivado foi desesperador, físico e moralmente. Muitos deram a entender que estava sentindo aquela dor medonha.

Uma ambulância foi chamada, levaram o coitado do homem para o hospital. Correu pelo ambiente que ele sofria de hemorroida, naqueles dias estava em forte crise, constatado pela calça branca toda manchada de sangue. Foi a última sexta-feira que ele apareceu por lá.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 20/06/2023
Código do texto: T7817852
Classificação de conteúdo: seguro