Malditos Tomates
16.06.23
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Têm dias em que o melhor é não sair de casa, pois acontecem situações inesperadas que nos trazem desgaste e irritação por motivos tolos e inadmissíveis ou por negligência. Pois então! Foi o que me ocorreu naquele dia.
Tenho um carro, o meu “Poisé”, apelido carinhoso do carrinho antigo do ano de 2001, que foi do meu pai e da minha mãe e que agora emprestaria para minha enteada que mora em Porto Alegre.
Ela é a mãe da Ciça, minha netinha gauchinha, querida, esperta e alegre, que agora me chama de “nonito”. Adorei o apelido que me deu, como o do “Poisé”.
Queríamos entregá-lo em condições de uso, por isso o levamos para ser lavado, pois fazia alguns anos que não tomava um belo “banho". A lavadora, impressionada com a sujeira, disse que nunca havia lavado carro tão sujo.
Ela caprichou e ficou novo, ou melhor, quase novo, pois o teto está totalmente descorado. Deixei-o todos esses anos ao sabor das intempéries sem qualquer proteção, provocando a ferrugem das rodas e o descoramento da pintura. Tem também os diversos amassadinhos e amassadões de mais de 20 anos de uso. Reconheço que fui muito relaxado com ele. Pobre “Poisé”!
Depois, troquei o óleo do motor e filtros. Estava pronto para a viagem à Porto Alegre, pois viriam buscá-lo no próximo fim de semana.
Posso ter negligenciado os cuidados externos, mas sempre atentei para a parte mecânica, câmbio, freios, suspensão e os pneus, que estão novos. O motor “roda redondo” sem barulhos ou batidas, sem vazamentos de óleo, mesmo após mais de trezentos mil quilômetros percorridos, tendo sido recondicionado somente uma vez.
Usei-o muito na estrada, fui à Argentina e ao Uruguai três vezes, enfim, um carrinho valente, que teve grande participação na minha vida. Gosto muito dele.
Minha mulher, animada em agradar a filha, começou a fazer a limpeza minuciosa na parte interna, nos bancos, no porta-malas e demais locais de difícil acesso que a lavação não atingiu.
Pintou com spray prata as rodas, deixando-o lindo. Foi uma grande transformação, estava irreconhecível. Rejuvenescido. Era “outro Poisé”.
Depois de todo o trabalho de recuperação da imagem do carrinho, saí com ele para ir ao supermercado, perto de casa, comprar tomates e outros ingredientes para um prato que iria cozinhar.
Pilotava–o todo pimpão pelas ruas do bairro e achei até que o seu desempenho havia melhorado, senti a direção mais leve, o câmbio engatando suavemente e o motorzinho de mil cilindradas, empolgado, pulsava forte e ágil. Estava uma “delícia” dirigi-lo.
Comprei tomates e outras coisas no mercado e coloquei os sacos plásticos no piso do banco do passageiro.
Voltei para casa devagar, mas o trepidar do carro, causado pelo pavimento da rua muito irregular, de blocos de concreto sextavado, fez com que os tomates começassem a pular na sacola. Um deles saltou e rolou pelo assoalho tirando-me a atenção.
Guiava e olhava para o tomate fugitivo, para pegá-lo, alonguei o corpo e o braço direito, mantendo o esquerdo no volante, não vendo que o carrinho ia direto para a guia da rua, que fazia uma curva.
Um tranco de som surdo na roda dianteira direita com a guia levantou o “Poisé”, fazendo com que eu voltasse o foco no guiar. Instintivamente, puxei a direção para a esquerda tentando evitar o impacto, mas já era tarde.
Achei que não teria problema, pois o baque foi pequeno. Não desci para ver o pneu e segui para casa. Mais um descaso para com ele.
No caminho, a direção começou a puxar para a direita, lado da pancada.
- O pneu furou. Não acredito – falei raivoso.
Entrei na garagem de casa, desci e vi o estrago: o pneu estava totalmente murcho, pois sofreu uma pequena “mordida” e um furo na lateral. Fiquei furioso, porque o carrinho estava perfeito, limpo e lindo, sem qualquer problema, pronto para a viagem, mas agora teria que consertar o furo no pneu.
-Malditos tomates – resmunguei alto, culpando-os por mais uma negligência minha com o “Poisé”!